Goodbye, Al Jazeera America
Finalmente em 14 de Janeiro coube a vez a Al Anstey, CEO do canal noticioso de TV por cabo Al Jazeera America, em existência apenas desde há dois anos e meio, de anunciar o encerramento da estação, marcado para o fim de Abril.
O comunicado de Ariana Huffington é notável pelo tom triunfalista com que veste o fracasso do HuffPost Live, enaltecendo-o como um êxito incontestável. Segundo ela, o HuffPost Live usa “tecnologia pioneira que permitiu criar a experiência por video mais social possível, com 32 mil convidados de 100 países, e 3 mil milhões de visitantes até agora. Nunca houve, e continua a não haver, nada que se pareça.” Depreende-se portanto que o produto era tão bom que foi imperativo acabar com ele.
Chris Hughes, no seu comunicado, também não fez qualquer referência à escassez de audiência como causa dos problemas da The New Republic e da sua decisão de pôr a revista à venda. Diz apenas ter concluído que “é tempo de (dar lugar a) uma nova liderança e visão.” Em carta dirigida ao “staff” da revista, Hughes acrescentou: “Sou o primeiro a admitir que quando aceitei este desafio há quase quatro anos, subestimei a dificuldade de transformar uma instituição antiga e tradicional numa empresa digital, no actual clima em rápida evolução.”
Vários analistas têem apontado, contudo, que a publicação tem vindo a definhar à míngua de leitores, não obstante uma bem capitalizada remodelação há quase quatro anos, e injecções no total de cerca de 20 milhões de dólares, disponibilizados desde então por Hughes, de 32 anos, detentor de uma fortuna estimada em cerca de 700 milhões de dólares. The New Republic nunca teve muito público, mas ainda há 15 anos publicava 24 edições por ano e tirava cerca de 100 mil exemplares. Resta-lhe agora metade desses leitores e publica-se 10 vezes por ano.
Segundo Erik Wemple, porém, em extenso e bem documentado artigo no The Washington Post de 22 de Janeiro,acerca do declínio da The New Republic, o aumento dramático dos prejuízos da revista sob a administração de Hughes, de um milhão de dólares em 2011 para cinco milhões por ano desde então, não foram apenas causados pela quebra de vendas, mas também por um aumento descontrolado de despesas tais como uma nova sede em Washington, criação de uma nova delegação em Nova Iorque, recrutamento de jornalistas e colunistas adicionais, festas sumptuosas de lançamento e promoção, contratação de consultores e estudos dispendiosos, etc. Em resumo, segundo Wemple, “aquilo que Hughes criou foi uma The New Republic cada vez mais insustentável”. Não há indicação, por enquanto, de compradores interessados.
Dos três comunicados, apenas o último, àcerca do encerramento do Al Jazeera America, e mais largamente noticiado - pela dimensão da empresa, número de jornalistas e outros empregados afectados, e vultoso investimento desde a sua criação - ensaiou uma “soi-disante” explicação sobre os motivos da decisão, que só suscita mais perguntas: “O nosso modelo de negócio não é sustentável, tendo em conta os desafios económicos no mercado dos media americanos”.
Al Jazeera America é um dos 10 canais da multinacional Al Jazeera Media Network - fundada há 20 anos, sediada em Doha e propriedade do governo do Qatar - e um dos dois canais do grupo em língua inglesa (o outro é Al Jazeera English, criado em 2006). O canal noticioso Al Jazeera em árabe, fundado em 1996, emite 24 horas por dia e opera uma rede de mais de 80 delegações espalhadas pelo mundo.
A compra pelo Al Jazeera Media Network, em 2013, do canal americano Current TV, controlado por Al Gore, antigo vice-presidente dos E.U.A., representou um investimento inicial de 500 milhões de dólares. Desde então, segundo estimativas de analistas, o Al Jazeera America dispendeu no mínimo 1,5 mil milhões de dólares nos salários de cerca de 800 jornalistas e outros empregados, criação de uma rede de 12 delegações regionais nas principais cidades americanas, e custos operacionais. Nenhum outro canal noticioso americano dispõe de uma rede tão extensa, financiada directamente pela sede central.
A aquisição do Current TV deu ao Al Jazeera America acesso instantâneo a cerca de 54 milhões de lares americanos, ou seja, mais de metade dos lares servidos por TV por cabo. Apesar disso, a audiência média diária da estação anda pelos 20 mil espectadores. Não é gralha: 20 mil.
Há dois denominadores comuns nas análises dos especialistas em media que têem escrito àcerca deste fiasco. A maior parte concorda que a estação não só soube recrutar um excelente corpo de profissionais, muitos deles da CBS, NBC e CNN, como o produto que oferece nas suas emissões é de alta qualidade. A prova está no extraordinário número de prémios de jornalismo atribuídos ao Al Jazeera America (37, só em 2015) e de nomeações para outros prémios (40, também em 2015).
Entre esses galardões destaca-se um Emmy Internacional, três Eppy Awards, um Edward R. Murrow Award, dois OPC Awards (Overseas Press Club of America), dois National Headliner Awards e um duPont Award da Columbia University, para só citar alguns dos mais cotados. Elogiando a amplitude da cobertura do Al Jazeera America, James Warren escreveu na Poynter: “Lembra-nos e informa-nos que há um mundo maior fora das nossas portas. [...] Faz-nos sentir como se estivessemos em Roma ou em Addis Abeba, e não em Minneapolis ou Dallas”.
O outro comentário frequente é que o fracasso do Al Jazeera America era inevitável. Mathew Ingram opinou na CNN Money que a estação “estava condenada à nascença.” As razões apresentadas para esse destino fatal variam entre os comentadores, mas a maior parte aponta para o próprio nome da estação como um “handicap” muito difícil de superar.
Merrill Brown, director da Faculdade de Comunicações e Media da Montclair State University, citado pela Associated Press, disse: “Al Jazeera America teve que competir num mercado superlotado, através de uma marca com pesada bagagem.” Betsy West, professora na Faculdade de Jornalismo da Columbia University, citada por Stephen Battaglio no Los Angeles Times, exprimiu a mesma ideia por outras palavras: “Eles não perceberam a toxicidade do nome Al Jazeera”.
É plausível que para uma grande maioria da audiência americana de canais noticiosos o nome Al Jazeera tenha ficado indelévelmente associado ao tratamento simpático de Osama bin Laden pela estação-mãe, após o 11 de Setembro de 2001. Essa foi a primeira vez que os americanos ouviram falar do Al Jazeera, e é essa a recordação que conservam, ao contrário do que acontece na maior parte do Médio Oriente, onde Al Jazeera, pela sua cobertura de movimentos democráticos na região, é visto como quase a única alternativa às televisões estatais, que são meros canais de propaganda dos governos.
É portanto possível que a conquista de uma audiência tivesse sido facilitada se o Al Jazeera Media Network tivesse optado por uma designação completamente diferente e de sabor mais local, para a sua sucursal americana. Mas só por isso, é improvável que o resultado tivesse sido muito diferente.
O mais surpreendente na experiência Al Jazeera America é os seus responsáveis terem procurado criar uma espécie de CNN maior e melhor, em vez de estudarem atentamente as razões porque a Fox News, lançada 16 anos depois da CNN, rápidamente alcançou e ultrapassou esta última, e se tornou no canal noticioso por cabo mais popular da América. Se há que imitar, mais vale imitar um modelo vencedor.
A principal característica da Fox News, que a diferencia das suas concorrentes, é a alternância na programação de “pivots” como Shepard Smith ou Bret Baier para comentadores como Greta Van Susteren ou Neil Cavuto, com “personas” televisivas muito pessoais. Cada um é “dono” de um segmento de uma hora e dispõe até de um estúdio diferente dos seus colegas. Alguns, como Bill O’Reilly e Megyn Kelly (recentemente capa do The New York Times Magazine, e este mês, da Vanity Fair) são celebridades que a estação soube tornar quase membros da família dos espectadores.
Os estúdios de Megyn Kelly e Shepard Smith – que “conversa” sempre de pé com o espectador durante os seus 60 minutos, movimentando-se contínuamente pelo estúdio - são espectaculares, lembrando vastas pontes de comando “high tech” de uma nave espacial, possibilitando contínuos e extensos movimentos de câmara para focar os “pivots” e os seus entrevistados de ângulos diferentes, muitas vezes em “traveling”. Não melhora nem piora o conteúdo, mas prende a atenção.
Em contraste, o formato Al Jazeera America, mais tradicional e austero, não propicia grande empatia com os apresentadores, e dificulta uma habituação à sua companhia, além de se tornar monótono. Como comentou David Zurawik no The Baltimore Sun, “Quando se passa do Al Jazeera para a Fox News e o apresentador é alguém como a Megyn Kelly, é como passar de uma conferência universitária para uma estreia da Broadway”.
Al Jazeera não desiste da América, e anunciou que vai apostar na plataforma digital AJ+, lançada há ano e meio, que tem tido boa aceitação. Mas a experiência noticiosa televisiva acaba em Abril, e a estação não parece ter recebido ainda quaisquer propostas de interessados no espólio.
Resta apontar, em resumo, que curiosamente nenhum dos comunicados reconhece que a primeira causa dos problemas dos respectivos órgãos é a escassez das suas audiências - a mesma causa que geralmente está na origem da extinção de qualquer órgão de comunicação social. Sem leitores (ou visitantes ou espectadores) não há anunciantes, sem anunciantes não há receita e sem receita não há milagres.
Nota Final: No princípio deste mês, o jornal diário Boston Globe mudou de distribuidor. A nova empresa teve alguns problemas durante a fase de arranque, por não ter conseguido contratar pessoal suficiente atempadamente. No domingo 3 de Janeiro, alguns dos 205 mil assinantes do jornal estavam em risco de não receber o seu jornal. Informados da situação, cerca de 200 jornalistas decidiram montar uma operação de distribuição, que arrancou à meia noite de sábado e permitiu que todos os assinantes em risco recebessem o seu exemplar, como habitualmente. Cada jornalista entregou entre 150 e 300 jornais, em média, durante essa noite. Não sabemos se no fim houve “donuts” e café quente para todos na redacção, mas é de esperar que sim.