Globalização, localização e Imprensa de proximidade
Como escreve o jornalista e filósofo Robert Maggini, o número de leitores de jornais, cuja idade média tem vindo a aumentar gradualmente, está a diminuir, ainda que «paulatinamente», mas de modo inexorável. Com a curiosidade acrescida de se tratar de uma crise em que, parafraseando Gramsci, o velho ainda não morreu e o novo ainda está para nascer.
A diminuição da importância do jornal impresso ou até mesmo o seu eventual desaparecimento está longe, no entanto, de significar o fim do jornalismo, ainda que, para tanto, o jornalista tenha que assumir o princípio de que não determina jamais a «dieta» das notícias ou que deixou de ser o «gatekeeper», para ser, antes, o «polícia de trânsito» da informação.
Terá igualmente que se reinventar para captar a atenção do leitor, quer haja ou não «uma história importante para contar» (a expressão é de Genet Liebel), assumir o princípio de que a comunicação social é «íntima, individualizada e transnacional» e entender que o papel impresso jamais conseguirá competir com a rapidez, disponibilidade e instantaneidade da informação virtual. Ou seja, terá que interiorizar o princípio de que o jornal em papel é tão-somente um formato.
Mas porque se está perante uma questão universal, também a imprensa de proximidade será por ela afectada. Só que, como já o afirmei em outra ocasião (www.aps.pt/vicongresso/pdfs/581.pdf), parece poder contar com a vantagem de dispor, na prática, de um tempo de vida mais alargado em relação aos restantes.
Para beneficiar dessa vantagem terá, no entanto, que assumir de imediato o princípio de que o seu futuro passa pelo retorno ao singular e à diferença, já que, como diz Giovanni Sartori, interpretar a globalização implica a «conexão de localidade», ou seja e na prática, uma valoração do que «converge na globalidade, no meu lugar».
De facto, mercê da proximidade com os agentes de decisão política, o espaço mediático e a vida quotidiana dos cidadãos a quem se dirigem, os media regionais/locais são aqueles que, num mundo globalizado, onde todos parecem apostados em olhar os mesmos temas, muitos dos quais dizendo bastante pouco à generalidade das pessoas, se encontram em melhor posição para anular os malefícios da massificação, fazerem uma leitura local dos acontecimentos e acrescentarem ao debate o contributo dos actores e autores da comunidade em que se inserem.
Terão para o efeito, no entanto, que atentar nas suas desaproveitadas potencialidades; redinamizarem o debate em redor de questões públicas, atendendo e dando expressão e voz às particularidades dos seus leitores; deixarem de ser tanto coração para, na expressão curiosa de Julian Quirós (director do diário regional espanhol Hoy), passarem a ser mais cérebro; e percepcionarem as razões dos que consideram que a homogeneização cultural e o declínio das entidades no plano local não é inelutável. Terão igualmente – questão fundamental – que entender as razões dos que consideram que o local jamais poderá ser referenciado como oposição ao global, com base no princípio de que a verdadeira oposição à globalização se situa antes na exclusão, uma exclusão que, no caso, faz com que não baste uma ligação à nova tecnologia, por mais globalizante que ela seja.
Como escreve José Rebelo, não há global sem local, nem há local sem global, ou seja, se, na prática, a característica fundamental do global está na capacidade de emergir no local, a característica fundamental do local está na capacidade de se representar no global. Se, de facto, a globalização dos media nos poderá conduzir a um «enriquecimento de significados relacionados com lugar» (a afirmação é de McQuail), também, a contrario, a sua localização possibilitará um melhor entendimento dessa mesma globalização, já que, na opinião de alguns sociólogos, quanto mais noção temos da globalidade, mais conscientes vamos ficando das especificidades locais e mais necessidade sentimos em as proteger.
Ao ignorarem o que atrás se diz; ao apostarem na desvalorização da diversidade, com base no argumento de que só uma «unidade de leitura» dos acontecimentos possibilitará o progresso; ao arrogarem-se – o que acontece com regular frequência – em entidades globais, quase sempre pensando de forma global e quase nunca se preocupando com os costumes e tradições locais, os media de âmbito nacional estão apenas e de facto a fazer com que os regionais se constituam em alternativa ou, pelo menos, passem a dispor de um tempo mais alargado de vida útil. Falta apenas saber – questão não de todo menor – se pretendem mesmo constituir-se em alternativa, se estão disponíveis para definir claramente o que fazer e como o fazer e se conseguem recuperar, em tempo útil, atrasos ancestrais, tanto em termos redactoriais, como de gestão, de distribuição e de marketing.
Jornalista e professor universitário