Ele falou a partir do lugar de metajornalista, ou melhor, do metajornalismo, enquanto presidente do Conselho Deontológico do Sindicato de Jornalistas.

Ele falou a partir do lugar de estudante em Ciências da Comunicação, quando preparou a sua Pós-graduação em Jornalismo e o seu Mestrado em Comunicação, Cultura e Tecnologias da Informação, no ISCTE.

Ele falou a partir do lugar de professor, quando ensinou, nomeadamente, na Escola Superior de Comunicação Social de Lisboa.

Em suma, Óscar Mascarenhas foi jornalista exemplar e reflectiu, exemplarmente, sobre o Jornalismo que fez e que se faz.

Quando preparava esta intervenção, abri um dos meus ficheiros intitulado, justamente, «Óscar». E dei com um texto que ele me enviara há três ou quatro anos.

Intitula-se «O Detetive Historiador». Trata-se de um projecto de livro que inclui, a par de textos originais, outros já publicados, capítulos da sua Dissertação de Mestrado, matérias de aulas dadas na ESCS…Soube, pela sua mulher, a jornalista Natal Vaz, que o livro deverá ser publicado em finais de Maio.

Li avidamente as 307 páginas do referido texto que se dividem em três partes.

A primeira parte é de natureza conceptual. A segunda, mais empírica, é inteiramente consagrada a um inquérito sobre jornalismo de investigação ao qual responderam dezassete jornalistas de nomeada, três dos quais presentes nesta mesa: a Diana Andringa, o Adelino Gomes e o José Pedro Castanheira. A terceira parte é constituída por dois ensaios: um sobre opinião pública, em que Óscar Mascarenhas recorre a autores maiores como Tocqueville, Lippman, Braudel, Wolton e Chomsky; outro, que escapa à temática geral do livro, intitulado «O jogo de sedução na praia, lugar aberto ao público, espaço enorme de intimidade». Neste último, Óscar Mascarenhas debruça-se sobre um curioso paradoxo: à medida que os corpos se desnudam na praia, menos públicos ficam, mais íntimos se tornam. E isto porquê? Porque, responde, o acto de desnudar desencadeia um jogo de códigos em que se confrontam dois pudores: o auto-pudor que leva a que, cada um, ao desnudar-se, procure confundir-se com os restantes que estão na praia; o hetero-pudor que conduz cada um dos que estão na praia a não olhar para quem se desnuda.

Mas regressemos à primeira parte do texto, a conceptual. Aí, Óscar Mascarenhas teoriza sobre a questão da liberdade do jornalista que nunca será, insiste, um privilégio pessoal, mas sim uma condição indispensável à concretização de um serviço prestado a outros. Um serviço prestado a outros que não significa, para o jornalista, falar em nome dos outros. Ninguém o mandatou para tal.

Óscar Mascarenhas teoriza, também, sobre os limites ao exercício da liberdade de imprensa distinguindo, a este respeito, entre situações públicas, situações privadas e situações íntimas sendo estas, as situações íntimas, não contractualizáveis, não escrutináveis publicamente e só noticiáveis quando autorizadas pelas pessoas directamente envolvidas. Daí o «escrúpulo» que deve estar sempre presente no trabalho do jornalista. O «escrúpulo» entendido como, e cito-o, «o conhecimento do outro; a nossa capacidade de perceber e de respeitar o outro».

Teoriza, ainda, sobre a função do jornalista que consiste, sublinha, em «ler o mundo para o contar».

Para o contar na perspectiva de o mudar.

Só que, acrescenta, essa mudança não é obra do próprio jornalista. É obra, sim, dos seus destinatários, realizada segundo critérios destes últimos. Daqueles que lêem os seus textos. Daqueles que vêem as imagens por si captadas. Daqueles que ouvem aquilo que o jornalista reuniu para lhes transmitir.

Temos, assim, que o jornalista ao ler o «mundo» desmonta-o. Desconstrói-o. E é o resultado dessa leitura convertida em fragmentos que virá a constituir a mensagem que circulará nos media.

Mensagem que aumentará a liberdade de escolha e, logo, o leque de opções do receptor.

E é neste ponto, é nesta perspectiva de contribuir para aumentar a liberdade de escolha que, segundo Óscar Mascarenhas, o jornalismo se afasta da propaganda, da publicidade, das relações públicas ou da comunicação empresarial que, no seu entender, não contribuem para a diversidade, para a pluralidade mas, sim, para a padronização das opiniões.

Eis uma postura sem dúvida polémica que, noutros lugares e noutras circunstâncias, suscitaria um debate de profundo interesse.

Gostaria, por fim, de pôr em relevo a distinção operada por Óscar Mascarenhas entre «ética», «moral individual» e «moral colectiva».

A ética não se move em função de critérios de compaixão; pressupõe o conceito de igualdade e é escrutinável pela opinião pública.

Por sua vez, a moral individual pode suscitar compaixão; acomoda-se, ou pode acomodar-se de uma relação de dominação e, por oposição à ética, não é escrutinável publicamente.

A moral colectiva pode, à semelhança da moral individual, suscitar ou evocar a compaixão. Só que, a moral colectiva induz a proibição, assenta na existência de uma hierarquia e é traduzível num castigo.

Donde a conclusão de Óscar Mascarenhas, com a qual termino a minha intervenção: «Confundir os conceitos de ética e de moral produz resultados negativos e perversos, não raro hipócritas: a experiência jornalística mostra que a maioria esmagadora dos comportamentos aparentemente moralistas e puritanos de certa imprensa dita popular não passa de um pretexto para desencadear uma delinquência contra a ética e uma invasão da intimidade alheia»