Eça de Queiroz – um jornalista falhado ?
Esclarecido este ponto prévio, podemos então passar a relatar, com calma e objectividade, o episódio, de que Eça foi protagonista, da sua breve experiência jornalística. Foi por interferência de seu pai, o juiz Teixeira de Queiroz, que esta actividade lhe foi sugerida. Ele tinha chegado de Coimbra, com intenções muito firmes de, por um lado, encetar uma carreira literária e, por outro, exercer funções na capital, como advogado. Instalara-se em casa do pai, num quarto andar do Rossio, e aí ficou esperando, sem sucesso, que lhe surgissem clientes. Aborrecia-se na espera, e os clientes não vinham, ou eram raros…
Aliás, o único caso em que advogou não teve um final feliz. Um marinheiro tinha morto a amante à facada, enterrando-a depois na cave do prédio onde vivia. Eça congeminou uma defesa baseada na confissão do crime por parte do seu autor, a que se seguiria um discurso de defesa baseado nas circunstâncias atenuantes, uma vez que a mulher traía frequentemente o marinheiro. Mas este, inesperadamente, perante o juiz, resolveu declarar-se inocente (o que não lhe valeu de nada, pois seria irremediavelmente condenado, mas destruiu por completo a argumentação de defesa do novel advogado).
Este episódio fê-lo afastar-se para sempre dessa profissão, dedicando-se, isso sim, cada vez mais, a escrever para a Gazeta de Portugal, onde Batalha Reis o acolheu e escreveu um prefácio muito lisonjeiro para as suas Prosas Bárbaras. Além disso, através do mesmo Batalha Reis, que vivia na Travessa do Guarda-Mor, no Bairro Alto, descobriria aí, no famoso “Cenáculo”, a convivência com gente tão interessante como Antero de Quental, Salomão Saraga, Manuel de Arriaga, Lobo de Moura, Mariano Machado e, mais tarde, Oliveira Martins.
Mas, já que a advocacia não resultara e, com vinte e um anos de idade, precisava de viver, concordou com uma sugestão do pai, que era amigo de um dos homens mais ricos e influentes do país, o grande proprietário, lavrador e político, Eugénio de Almeida. Aceitou então ser director, editor, redactor, e mais todas as outras funções habituais na confecção de um jornal, as quais ele viria a desempenhar entre o dia 6 de Janeiro de 1867 e o dia 28 de Julho desse mesmo ano, à testa do jornal Distrito de Évora, um trabalho para o qual foi contratado, e pelo qual lhe pagariam a fabulosa quantia, para a época, de cem mil réis mensais!
A sua função seria manter uma feroz oposição ao governo, então chefiado por Joaquim António de Aguiar, criando deste modo, em Évora, um jornal destinado a atacar o poder. E foi assim que Eça de Queiroz, aceitando a tentadora oferta, se mudou para a cidade alentejana – uma terra com doze mil habitantes, desconhecida para ele, com pouca ou nenhuma vida cultural, e onde não se viam mulheres nas ruas…
Ali se instalou, dedicando todo seu tempo e talento ao bissemanário Distrito de Évora, onde, durante esse período de cerca de sete meses, faria tudo, da primeira até à última página de cada número. Dividiria o jornal em secções: Correspondência do Reino, Leituras Modernas, Política Estrangeira, Política Nacional, Crónica, Interesse Provincial, Revista Crítica de Jornais, Crítica de Literatura e Arte, Agricultura, Comércio e Indústria – a maioria sem assinatura, ou apenas com iniciais, como A.Z., ou A.G.M. – mas todas de sua autoria.
O jornal rival do Distrito de Évora era então a Folha do Sul, que apoiava, naturalmente, o governo regenerador, chefiado por Joaquim António de Aguiar, a quem ele devia combater, bem como ao governador civil e ao administrador do concelho. Era contra essas entidades que Eça iria escrever…
Eça tinha uma opinião, não muito positiva, sobre os jornalistas do seu tempo, pelo menos os que ele conhecia. Achava que “a ambição do jornalista português não era escrever, mas ser político. Daí a sua principal característica, o respeitinho pelos superiores”. Também criticava aqueles que redigiam folhetins, um género que ele dizia detestar. O pior é que o público adorava o género, o que ele lamentava…
A razão explícita do abandono do cargo, após aqueles breves meses de vida em Évora, apenas com passagens esporádicas pela capital, viria de uma polémica, precisamente com o jornal rival, a Folha do Sul, a propósito de um pretenso plágio.
Tudo começou com a divergência de ideias doutrinárias e programáticas entre o partido Regenerador e o partido Histórico, nunca ultrapassadas. Este último, com ideias do tempo do miguelismo, defendia a Caridade como uma das mais importantes instituições do Estado, considerando o pauperismo uma fatalidade. Isto é, fossem quais fossem as reformas sociais, sempre haveria pobres e ricos; a fortuna pública deveria permanecer na posse de uma classe, a classe mais evoluída, letrada e bem-nascida, constituindo uma elite política capaz de gerir as grandes indústrias, por deter todo o ouro, base da ordem social. Se parte da população sofresse de fome e frio, isso seria resolvido de forma sábia, por um sistema de distribuição de esmolas. A caridade privada seria substituída por um sistema gerido pelo Estado, baseado em asilos, refúgios de desvalidos e outras instituições que afastassem da vista das pessoas o espectáculo da pobreza e da miséria…
Eça de Queiroz via isto com perplexidade e, a propósito, publicou um texto em que citava Victor Hugo – o que foi logo aproveitado pelo jornal rival Folha do Sul para o acusar de plágio!... Foi a gota de água. Farto da esterilidade de tais polémicas, resolveu abandonar uma tarefa que não lhe dava prazer nem recompensa espiritual – e assim terminou a aventura jornalística alentejana de Eça de Queiroz, depois de ter escrito, da primeira à última linha, desde o artigo de fundo até aos anúncios, cento e noventa e oito páginas compactas do seu Distrito de Évora.