De acordo com a média da Real Clear Politics, das seis mais recentes sondagens nacionais, Hillary Clinton parte para a última fase da campanha com uma vantagem de 6,3 pontos sobre Donald Trump. Com excepção de dois curtos períodos, no fim de  Maio e no fim de Julho, Hillary tem estado sempre à frente na média da Real Clear Politics, desde que ambos anunciaram as suas candidaturas em 2015.

 

Além disso, dos 270 votos necessários para ganhar a eleição no colégio eleitoral (metade mais um dos 538 eleitores que constituem o colégio), Hillary conta desde já com 210, dos 18 estados onde a sua vitória parece assegurada, precisando apenas de mais 60 dos 328 votos restantes. [A cada estado é atribuído um número de delegados ao colégio eleitoral idêntico ao dos seus deputados na Câmara dos Representantes, mais dois, equivalentes aos dois senadores de cada estado; o número de eleitores no colégio, tal como o de deputados de cada estado, é proporcional à respectiva população]. Mesmo assumindo que se confirmem os 164 votos que Trump parece ter garantidos à partida, restam outros 164 votos “disponíveis”, dos quais Hillary só necessita de pouco mais de um terço. Trump, em contrapartida, teria que conseguir 106 desses votos, para chegar aos 270, o que parece quase impossível.

 

Muita coisa pode mudar em nove semanas, mas o consenso dos analistas é que só três acontecimentos poderiam concebívelmente ameaçar a marcha de Hillary para a vitória: revelações sensacionais e demolidoras prometidas para breve pelo “editor-in-chief” da Wikileaks, Julian Assange, ou resultantes da análise dos 15 mil emails adicionais de Hillary enquanto secretária de Estado, processados à revelia do sistema informático governamental, recentemente descobertos pelo F.B.I.; um desempenho desastroso da candidata nos debates presidenciais mano-a-mano que começam a 26 de Setembro; ou votos suficientes, em 8 de Novembro, em um ou ambos dos outros dois candidatos presidenciais (Gary Johnson, do partido libertário, ex-governador do Novo México, e Jill Stein, presidente do partido dos verdes) que impeçam Hillary de conseguir os 270 votos.

 

 

A Constituição prevê que se nenhum dos candidatos consegue maioria no colégio eleitoral, cabe à Câmara dos Representantes eleger o presidente dentre os três mais votados, mas nesse caso cada estado tem apenas um voto. Há precedente: na eleição de 1824, nenhum dos quatro candidatos conseguiu a maioria dos votos no colégio eleitoral e a Câmara dos Representantes acabou por eleger o segundo mais votado – John Quincy Adams, 6º presidente dos E.U.A. 

 

Este último cenário, largamente assente numa premissa real, que é a aversão de mais de metade do eleitorado tanto por Hillary como por Trump, é porém considerado o mais improvável dada a reduzida familiaridade do eleitorado com os outros dois candidatos, a menos que Johnson consiga ser incluído nos debates, o que parece difícil neste momento, porque para isso necessita de um mínimo de 15 por cento de apoio nas sondagens, e na mais recente teve apenas 10 por cento.   

 

A possibilidade de revelações sensacionais, prejudiciais a Hillary, quer pela Wikileaks quer em resultado da segunda investigação, agora em curso pelo F.B.I., merece ser levada a sério, dado que nos dias anteriores ao congresso do Partido Democrata, em Julho, revelações via Wikileaks sobre manobras de bastidor na cúpula do partido, para favorecer a candidatura de Hillary e sabotar a do seu rival, senador Bernie Sanders, acabaram por resultar na demissão da presidente do partido, Debbie Wasserman Schultz, e de vários outros dirigentes do mesmo. 

 

Para afectarem significativamente a eleição, porém, essas revelações teriam que ser tão escandalosas que os “mainstream media”, largamente simpatizantes do partido democrata e de Hillary, não pudessem reagir a elas com o mesmo encolher de ombros com que têem  tratado todas as outras que têem vindo a lume, embaraçosas para a candidata, incluindo as conclusões da primeira investigação do F.B.I. acerca do uso por Hillary de um sistema informático privativo, enquanto secretária de Estado, e mais recentemente, sobre o relacionamento incestuoso entre a Fundação Clinton e a candidata, também enquanto secretária de Estado.

 

Por exemplo, com excepção de alguns comentadores conservadores, quase não houve aprofundamento da descoberta, pela Associated Press, de que a maioria dos VIPs americanos e estrangeiros não-governamentais que solicitaram e conseguiram entrevistas pessoais com Hillary no departamento de Estado, no exercício do seu cargo, tinha feito doações à Fundação Clinton no total de 156 milhões de dólares. Suspeita-se agora, com fundamento, que esse relacionamento terá estado na raiz da decisão de Hillary de montar um sistema informático privativo para as suas comunicações electrónicas, em vez de usar o sistema governamental,  como a lei manda.

 

Se isto é novidade para o leitor, console-se com o facto de que 90 por cento dos americanos também não sabiam – e continuam a não saber, porque a cobertura desta revelação pelos “mainstream media” tem sido pouco mais do que simbólica. Imagine-se só o chinfrim noticioso e opinativo que estaria em curso se a adversária de Hillary, como candidata republicana, fosse a ex-secretária de Estado Condoleezza Rice, e semelhantes actividades comprometedoras tivessem sido descobertas acerca dela.                                            

 

Das três hipotéticas oportunidades de descarrilamento da candidatura de Hillary, a que oferece maior esperança para Trump são os três debates televisivos, em 26 de Setembro e 9 e 19 de Outubro, porque são os únicos de cuja ocorrência ele pode estar certo neste momento … se e quando confirmar a sua participação, que tem estado em negociação, constando que ainda não há acordo quanto aos moderadores, os quais deverão ser anunciados pela comissão organizadora pouco depois do Labor Day. Hillary já confirmou a sua disponibilidade.

 

Os debates, difundidos em directo pelas principais cadeias de TV, permitirão finalmente que  dezenas de milhões de americanos, durante um total de quatro horas e meia (90 minutos consecutivos em cada debate), possam apreciar os dois candidatos sem filtro, ao vivo e em simultâneo, em vez de só receberem excertos das suas declarações, entrevistas, discursos ou conferências de imprensa, seleccionados e comentados pelos media. Em contraste com os 12 debates republicanos,  partilhados por Trump com entre nove e três outros candidatos, nos próximos três debates só estarão dois participantes, o que significa que a audiência terá oportunidade de avaliar cada um, lado a lado, durante metade desse tempo.

 

Para Trump essas oportunidades serão especialmente valiosas para tentar combater a imagem de míssil balístico desgovernado que a imprensa americana procurou criar do candidato - e que em larga medida conseguiu, no país e entre a maioria dos seus colegas no resto do mundo - passando a pente fino tudo o que ele disse desde que anunciou a sua candidatura em Junho de 2015 e seleccionando para difusão, sistemáticamente, o pior que pôde encontrar, verbal e visualmente, em reforço dessa imagem.

 

O primeiro debate será dedicado à política nacional, no seguinte os candidatos responderão a perguntas da audiência (presente ou remota), e o tema do último será a política estrangeira. O primeiro debate e o último centrar-se-ão em seis temas cada um, em segmentos de 15 minutos. Aos interessados nos preparativos de Hillary e de Trump para os debates, sugiro leitura da detalhada reportagem “Inside Debate Prep: Clinton's Careful Case vs. Trump's 'WrestleMania'”, de Philip Rucker, Robert Costa e Anne Gearan, no The Washington Post de 27/8/2016, acessível a leitores não-assinantes pelo link https://www.washingtonpost.com/politics/inside-debate-prep-clintons-careful-case-vs-trumps-wrestlemania/2016/08/27/ce05291c-6bbb-11e6-99bf-f0cf3a6449a6_story.html.

 

Como seria de esperar do The Washington Post, o artigo contrasta a forma “metódica” da preparação de  Hillary para os debates, “como um advogado veterano abordaria o seu julgamento mais importante”, com o “temperamento errático” de Trump, que se prepara com um grupo de conselheiros no seu clube de golfe em New Jersey, “entre cheeseburgers, cachorros quentes e copos de Coca Cola.” Descontada a óbvia simpatia dos repórteres por Hillary, e o seu não menos óbvio desdém por Trump, o artigo contém ainda assim informação interessante.  

 

Os debates presidenciais são sempre acontecimentos mediáticos de primeira grandeza, em que os candidatos com menor apoio nas sondagens – e que portanto menos têem a perder - depositam grandes esperanças para inverter a tendência, e que os melhor colocados abordam com o justificado receio de que possam perder em segundos, numa resposta desastrada, alguns dos pontos de vantagem penosamente conquistados em meses de campanha. Entre o público e os media, os debates geram grande expectativa, atraem grandes audiências e no seu rescaldo proporcionam as mais variadas interpretações sobre quem ganhou e quem perdeu.

 

A sua importância nos resultados de eleições, porém, está longe de ser ciência assente. Não obstante os muitos momentos memoráveis dos 31 debates presidenciais televisivos americanos desde 1960, incluindo “gaffes” e deslizes históricos, o consenso de politólogos e estudiosos de eleições como os professores James Stimson da Universidade da Carolina do Norte, Robert Erikson da Universidade de Columbia e Christopher Wlezien da Universidade de Temple, em Filadélfia, é que o seu impacto nos resultados é, na melhor das hipóteses, mínimo, e na sua maior parte, nulo, pela simples razão que quando os debates ocorrem, a quase totalidade dos eleitores já decidiu em quem vai votar, e os debates só servem para reforçar essa decisão.

 

Embora a primeira eleição em que houve debates presidenciais televisivos tenha sido em 1960, entre John Kennedy e Richard Nixon, eles só recomeçaram 16 anos depois, na eleição de 1976, tendo ocorrido em todas as nove eleições desde então. O formato de três debates tem sido a regra nas últimas quatro eleições, desde 2000, quando George Bush filho concorreu contra Al Gore, embora a de 1992 (Bill Clinton, George Bush pai e Ross Perot) também tenha tido 3 debates. 

 

Ao longo dos anos e ao sabor do interesse dos eleitores, as audiências têem variado grandemente. A audiência de 80,6 milhões de telespectadores atraídos pelo único debate entre Ronald Reagan e Jimmy Carter, na eleição de 1984, é um récord que continua por bater. Em contraste, os debates de maior audiência entre Bill Clinton e Bob Dole (1996) e entre Al Gore e George Bush filho (2000) foram seguidos por apenas 46,1 e 46,6 milhões, respectivamente. Nas últimas três eleições, assim como em quatro das anteriores, as maiores audiências dos debates têem-se situado entre os 62,4 e os 69,7 milhões. Curiosamente, na eleição de 2008, a audiência do debate vice-presidencial, entre Sarah Palin e Joe Biden, foi maior (69,9 milhões) do que a maior audiência dos debates presidenciais desse  ano, entre John McCain e Barack Obama (63,2 milhões). O primeiro debate vice-presidencial televisivo ocorreu em 1976, e tem havido um em todas as eleições  desde 1984.         

 

Os próximos debates entre Hillary e Trump estão a ser aguardados pelos media americanos com trepidação ainda maior do que é hábito, em grande parte devido à demonização de Trump alimentada pela própria imprensa, esperançada em que os debates constituam os três pregos finais no caixão da sua campanha.

 

A convicção da inevitabilidade da vitória de Hillary é tão generalizada que começam a surgir os primeiros comentários sobre as dificuldades que ela encontrará para governar se o Partido Democrata não conseguir a maioria em pelo menos uma das câmaras do Congresso, presentemente dominado pelos republicanos. A melhor oportunidade é oferecida pelo Senado, onde estarão à votação apenas 10 lugares dos democratas contra 24 dos republicanos. Se os republicanos conseguirem manter as suas maiorias nas duas câmaras, será a primeira vez em mais de um século que um presidente democrata tomará posse com um Congresso dominado pela oposição, tendo que governar nessa situação – ou tentando governar - durante pelo menos os dois primeiros anos do seu mandato. Acontece que os dois primeiros anos do mandato de um novo presidente têem sido tradicionalmente aqueles em que eles conseguem implementar o maior número das suas promessas eleitorais.