Das corporações
Alguns jornalistas do Correio da Manhã, recorde-se, constituíram-se assistentes no processo Operação Marquês e têm, agora que foi levantado o segredo de Justiça interno, acesso ao processo. Como assistentes, os jornalistas devem colaborar com a Justiça na procura da verdade e não tirar partido da situação para dar notícias e para usufruírem de vantagem sobre outros jornalistas de outros órgãos de Comunicação Social. A verdade é que, apesar de o levantamento do segredo de Justiça ter ocorrido apenas no interior do processo e não para o público em geral, as notícias do caso começaram a fluir (ainda) com mais intensidade do que anteriormente e a defesa de Sócrates interpôs uma providência cautelar.
Já houve quem visse na decisão do Tribunal da Relação de Lisboa um ato de verdadeira censura. O Sindicato dos Jornalistas considera que se abriu “um precedente grave”. A Associação Portuguesa de Imprensa manifestou “a sua muito grande preocupação pela forma como um tribunal desvalorizou a Liberdade de Imprensa em Portugal”.
Parece ser esta a posição politicamente correta, a posição corporativa. Permito-me discordar, pelo menos em grande parte.
Antes de mais: a proibição não visa notícias sobre o caso, mas apenas citações do processo aos que beneficiam da sua condição de assistentes. O acesso, como assistente, a um processo não é a melhor forma de aceder a notícias, sobretudo se sobre elas não for feito contraditório e se não for claro para o leitor como se obteve a informação. Nem é a melhor forma de garantir isenção. Eu sei que os jornais têm, diariamente, notícias e investigações – frequentemente pseudo investigações – assentes em fontes anónimas, anonimato que é concedido muitas vezes não para proteger a fonte, mas apenas porque a sua revelação descredibilizaria a própria informação. Este recurso ao anonimato quase como regra, justificaria o acesso a processos como assistente. Em meu entender, não justifica! Também sei – sabemos todos – o que vale no dia-a-dia das Redações, de algumas Redações, o segredo de justiça ou a tábua rasa que tantas vezes se faz do direito à privacidade, ou a facilidade com que se publicam escutas, envolvendo os visados num processo e, às vezes, até terceiros, apanhados na malha. Assim aceites como bons alguns maus procedimentos, a constituição como assistente não é nada de mais. Tudo em nome do interesse do público.
Aos que agora clamam contra o Tribunal assiste uma razão: a sentença alargou a todo o grupo Cofina uma penalização que deveria apenas visar os órgãos do grupo que tenham prevaricado. As direções editoriais dentro do grupo são distintas e não há razão para ir tudo raso, a menos que o juiz considere que os diretores recebem instruções de alguém que esteja acima deles. Seria um delírio. E têm também razão quando, olhando para o lado, veem outros jornais sobre os quais não recaiu nem queixa nem sanção.
O resto, que me desculpem os defensores da corporação a que também pertenço, não tem defesa. Nem em nome da sagrada liberdade de Imprensa.