Todavia, e aparentemente, não há um sobressalto, nem consta que haja qualquer movimentação cívica, perante a ousadia dos actuais proprietários das duas publicações.

E, no entanto, no caso da sede do Diário de Notícias, trata-se do primeiro edifício construído de raiz para albergar um jornal, projectado pelo arq. Pardal Monteiro e inaugurado em 1940.

Um Prémio Valmor, classificado  como Imóvel de Interesse Público e que “sobressai no contexto da arquitectura portuguesa contemporânea pela original solução de compromisso entre a linguagem monumentalista da época e as tendências inovadoras e modernistas, traduzindo a procura de equilíbrio entre os vectores estético, funcional e construtivo”, conforme se pode ler no sítio da Câmara Municipal de Lisboa .

Como se tal realidade não fosse bastante, no interior do edifício icónico sobressaem, ainda, os frescos de Almada Negreiros ('Grande Planisfério' e 'Quatro Alegorias a Portugal e à Imprensa'), localizados no átrio e no vestíbulo principal.

É este património que a empresa proprietária se prepara para alienar  - a julgar pelo silêncio ensurdecedor que se seguiu à divulgação da notícia da venda iminente  -, aproveitando a valorização do imobiliário naquela zona nobre da cidade. Se for por diante, a descaracterização da avenida da Liberdade soma e segue,  à sombra de uma falsa modernidade, virada para o consumo e hotelaria de luxo.

A passividade do Município e dos responsáveis pelo Património já nem sequer surpreende, depois de outros atentados  permitidos em artérias e bairros históricos de Lisboa, praticados pela ganância dos promotores imobiliários, a coberto do encolher de ombros de quem  não se importa que o passado deixe de figurar no roteiro da capital.

Porém, a presumível venda do edifício do Diário de Notícias  - jornal com um histórico de 150 anos, recentemente assinalados  -, não pode ser vista, apenas, como mais um negócio ( juntamente com o do edifício do Jornal de Notícias, no Porto), à pala da explicação esfarrapada de que será um contributo para “reduzir a dívida” e assegurar a “rentabilidade” dos jornais e do grupo empresarial, como piedosamente veio explicado no Expresso.

Se o atentado vier a consumar-se  - favorecido pelo alheamento ou, mesmo,  cumplicidade dos poderes públicos  -, será equivalente a apagar o passado em nome de um oportunismo financeiro.

A tentativa não é nova, como se revela noutro espaço deste sítio. Uma anterior administração ensaiou também, há alguns anos, vender o edifício e desalojar o jornal, transferindo-o para a periferia, mas desistiu quando foi confrontada com um movimento de oposição a esse desígnio, apoiado por um grupo de jornalistas e de outros trabalhadores da empresa.

Talvez, por isso, a actual administração do Diário de Notícias, sabedora da resistência que  poderia suscitar, agiu pela calada. E nada como aproveitar  uma situação política complexa  - quando as atenções do País estão concentradas nas mudanças de Governo  - para  despachar, pela melhor oferta, um património único. E deitá-lo fora a troco de aliviar o esforço dos accionistas. Foi assim que se perdeu a PT. É assim que poderá perder-se o Diário de Notícias