O futuro da Nato, o lobby militar


Com apenas cinco por cento da população mundial, de acordo com dados do Instituto Internacional de Estudos para a Paz de Estocolmo, os Estados Unidos tiveram, em 2011, uma despesa militar de 607 mil milhões de dólares, que representaram, nesse ano, 41% do total dos gastos militares mundiais. Com 8%, a longa distância, segue-se a populosa China. Toda a estrutura, que suporta a máquina militar americana, representa cerca de 5% do PIB, um peso considerável na economia deste país. Por isso, não admira que exista nos Estados Unidos um fortíssimo lobby criado para proteger a indústria do armamento militar. Qualquer alteração da política externa dos Estados Unidos, que vise reduzir a intervenção militar, vai ter de confrontar-se com este lobby. Neste contexto, a Nato assume uma importância fundamental. Criada para enfrentar o poder da antiga União Soviética, inclui o Canadá, países europeus e a bem armada Turquia. Após a queda do muro de Berlim, teve um importante papel na Guerra dos Balcãs, na Líbia e na estabilização do Leste Europeu.

Presentemente, no discurso oficial, a justificação da Nato tem a ver com a chamada ameaça da Rússia. Mas tem também a ver com a proteção do Estado de Israel e a manutenção da presença do Ocidente no Médio Oriente. Não se sabe até que ponto, e por quanto tempo, os americanos poderão continuar a manter o papel de polícias do mundo. Trump já deu a entender que poderá reduzir o esforço americano na Nato e pedir uma maior comparticipação dos aliados europeus.

Todavia, foi da boca do Secretário- Geral da Organização que veio uma das primeiras reações, ao revelar preocupação com as consequências da eleição de Trump.

 

A hegemonia americana na economia digital


Vivemos num mundo dominado pela tecnologia digital. E a tecnologia digital, sediada na América, é um negócio quase exclusivamente americano. Empresas como a Microsoft, a Google ou a Apple têm uma enorme importância estratégica. O poder associado ao controlo das redes de comunicações, dos servidores, das aplicações e das bases de dados é vital para a economia e para a segurança americana. Até que ponto a nova administração será tentada a criar uma sociedade orwelliana, é uma dúvida que persiste. Resistirão os Estados Unidos à tentação de usar o seu poder digital como arma económica, e até militar, provocando perturbações ou blackouts cirúrgicos em sectores económicos ou em espaços situados nas suas zonas de interesse estratégico?

 

As relações com a Europa


A Europa sem ideologia, sem recursos e capacidade de defender-se a si própria, é hoje uma colónia da América. O essencial da estratégia económica europeia passa pelo reforço dos laços com os Estados Unidos, como é o exemplo bem expressivo do ansiado TTIP- um tratado de comércio livre visando a criação de uma zona económica privilegiada no Atlântico Norte. Mas, para muitos americanos a Europa desunida, em desagregação, sem estratégia e incapaz de superar os seus problemas, está a constituir um fardo injustificado. O brexit, preservando a relação separada com a Inglaterra, seu principal parceiro e aliado, vai contribuir para um maior desinteresse e afastamento da América com uma União Europeia, continental e agregada pela Alemanha.

 

O reforço da globalização. Os acordos de comércio livre


A globalização tornou-se uma imperiosa necessidade para a economia e para assegurar o seu crescimento. Foi a entrada da China na Organização Internacional do Comércio que motivou o seu elevado crescimento, o qual por sua vez alavancou a retoma da economia mundial nas duas últimas décadas e teve um papel decisivo na superação da crise pós Lehman.

Qualquer entrave ao reforço da globalização irá provocar problemas ao crescimento económico, e por consequência, terá fortes implicações económicas, financeiras e sociais. Uma eventual politica protecionista - já anunciada por Trump, visando a China -, e contrária a este espírito globalizante, poderá ter um explosivo potencial de geração de uma nova crise.

 

O problema dos recursos energéticos. O Médio Oriente


A energia é o principal fator de crescimento da economia mundial. Nesse domínio, adquirem importância especial os combustíveis fósseis, muito em particular o petróleo. Ora, os Estados Unidos são, desde há muito, importadores líquidos de petróleo. Desde o início dos anos setenta, toda a estratégia militar americana está orientada para a defesa e proteção das reservas de energia fóssil do Médio Oriente, e para a segurança das rotas que asseguram o seu escoamento. Isso mesmo foi expresso na Doutrina Carter, enunciada a seguir ao primeiro choque petrolífero. A maciça presença americana no Médio Oriente justifica-se à luz dessa doutrina. Nos últimos anos, a extração de petróleo pelo processo de fracking - o famoso petróleo de xisto -, o aumento da eficiência energética nos transportes, o desenvolvimento das energias renováveis, a redução do consumo em resultado do declínio das indústrias pesadas em detrimento dos serviços, estão a devolver aos americanos a crença de que a tão almejada independência energética externa pode ser atingida. Julgo que o pensamento de Trump, ao anunciar o levantamento de restrições ao fracking e, possivelmente, autorizando a exploração em áreas protegidas do Alaska, vai nesse sentido. Mas, os americanos sabem que não será fácil aliviar a pressão militar no Golfo, pois qualquer cedência nessa zona abrirá caminho aos interesses de outros países como a China, a Rússia, a Índia e o Japão. A acontecer, isso seria uma tragédia para os europeus, que têm na sua grande dependência energética a principal vulnerabilidade. Numa tal situação, não teriam outra alternativa que procurar alianças, a leste, com a Rússia. Para Trump o Médio Oriente será o dossier mais delicado e mais sensível da sua governação. Turquia, Israel, Palestina, Arábia Saudita, Síria, Irão, Afeganistão são peças de um jogo complexo onde se joga muita coisa. Aqui entroncam questões tão importantes como o papel da Nato, as relações com a Europa, inclusive, a gestão dos assuntos relativos aos refugiados e aos emigrantes.

 

A demografia. Os muros


O elevado crescimento demográfico está a criar fortes desequilíbrios e distorções a nível mundial. As pressões demográficas fazem sentir-se no sul dos Estados Unidos e no Sul da Europa. Tudo indica que a pressão vai manter-se e vai agravar-se quando, tal qual um tsunami, a onda subsariana e hispano-americana começar a deslocar-se para o Norte. O Ocidente rico, envelhecido e desprovido de ideologia e valores é a barreira a transpor. Não haverá muros que detenham a onda.

 

As emissões poluentes: as alterações climáticas.


A insensibilidade de Trump à questão das emissões poluentes, e o consequente risco das alterações climáticas, está em consonância com o radicalismo neoliberal que só pensa no crescimento a curto prazo e a todo o custo. Após a Conferência de Paris, o problema não pode mais ser camuflado nem ignorado. Perante a força dos movimentos internos e externos, a nova administração americana terá muita dificuldade em ignorar o problema.


Vive-se uma estranha sensação de que a eleição de Trump poderá significar o princípio do fim da Pax Americana. Mas, isso poderá não ser uma coisa necessariamente má. Só o futuro o dirá. Futuro que fica agora mais incerto e muito mais perigoso do que já estava. Por aqui, por este jardim à beira mar plantado, vamos assistindo incrédulos, mas impávidos e serenos, à espera que as coisas aconteçam...