A Voz dos Sábios e o Futuro
A grande maioria das pessoas vê nos avanços científicos e tecnológicos a evidência de que o engenho do homem tudo pode, e de que ele será capaz de vencer os desafios do futuro. Acredita que, como resultado desses avanços, as coisas só podem melhorar no futuro. Com os surpreendentes progressos nas ciências médicas estaremos muito perto de aumentar a longevidade até aos 120 anos. Num futuro próximo, será possível fundir seres humanos com robots e poder-se-á fazer o backup do cérebro humano num computador e reativá-lo mais tarde. Um dia, o homem irá viajar no espaço e colonizará outros planetas. É a concretização do velho sonho da imortalidade do ser humano que, creem muitos, vai ser possível realizar-se. Como resultado destas conquistas e desta crença, Deus foi relegado para segundo plano. O homem parece acreditar que a divindade está ao seu alcance...
Num curto espaço de tempo, à escala cósmica, a espécie humana - a única dotada de inteligência! – deu saltos evolutivos espetaculares. Tudo começou com a linguagem; depois, foi a escrita e a imprensa e, já no nosso tempo, a internet. Com a linguagem nasceu a organização social. Com a escrita, criaram-se ferramentas: o estilete, a argila mole, a tinta e o papiro. Com a imprensa, nasceu a comunicação de massas, surgiu a tipografia, o panfleto e o livro. A internet é suportada por uma panóplia de novas ferramentas: a rede elétrica, a rede de comunicações, os computadores, os smartphones. Com os registos escritos e os registos digitais podemos acumular o conhecimento adquirido em cada geração, preservá-lo, e transmiti-lo para as gerações seguintes. Estamos perante capacidades adquiridas pela espécie, que as integra, e que passam a fazer parte do seu processo evolutivo no sentido que lhe deu Charles Darwin.
Ora, estes saltos estão associados a um aumento da complexidade das ferramentas e a uma crescente dependência do seu uso. Particularmente com a internet, a complexidade assenta numa sofisticada base tecnológica e energética - falamos dos suportes, da eletricidade e das ondas hertzianas que transportam os sinais digitais. E o processo de inovação continua e parece não ter fim à vista. Avizinha-se a época da internet das coisas, esperam-se grandes avanços da ciência na computação, nas comunicações, na saúde, na eficiência energética e na produção alimentar.
Vivemos um tempo de limites, numa encruzilhada evolutiva. O homem é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto do sentido evolutivo. Nesta situação, não pode haver lugar para erros, pois, os erros pagam-se caros. Preocupamo-nos com a longevidade dos indivíduos e, em termos evolutivos, o que interessa é a longevidade da espécie. Ao longo da história da vida na terra muitas espécies se extinguiram. As causas dessas extinções tiveram a ver com o desaparecimento ou escassez do seu recurso principal, ou com o aparecimento de novos predadores, mas tiveram também a ver com a excessiva especialização que reduz a sua capacidade de adaptação. Quando, como resultado do processo evolutivo, uma espécie adquire uma nova capacidade, já não existe caminho de retrocesso, isto é, a natureza não aceita a desevolução. Essa é a nossa principal vulnerabilidade, e o maior risco que enfrentamos como espécie - apenas uma entre tantas! - é o de entrar num cul-de-sac evolutivo.
No programa Prós e Contras do dia 7 de dezembro passado, os sábios convidados pela Fundação Champalimaud - António Damásio, Fernando Henrique Cardoso, Manuel Castells, Jorge Sampaio e Leonor Beleza - vieram falar destas coisas. Realçaram a divergência entre caminhos da ciência - caminhos de esperança - e os caminhos da política e da economia - caminhos de descredibilidade e de desencanto. Damásio, o mais incisivo entre eles, falou da inteligência artificial e da possibilidade, no futuro, de ser possível fundir homens com robots, logo acrescentando que as máquinas não têm consciência e, por isso, não sentem nem o prazer nem a dor, sentimento que é apanágio dos seres vivos. Que não existe ética sem prazer, sem sofrimento e sem dor. E concluiu que só podemos melhorar o estado do mundo, depois de o compreender. Aqui, acrescento eu: para compreender o mundo temos de perceber o nosso destino, e a isso a ciência nunca dará resposta. Estamos muito longe de o alcançar, se é que algum dia o conseguiremos.