A insustentável leveza da Europa
Agora, com o brexit, enfrentamos um novo desafio e, após a saída do Reino Unido, nada ficará como dantes. Sai da União o maior orçamento de defesa, saem as forças armadas mais bem equipadas, sai um país com poder nuclear, sai um membro permanente do Conselho Segurança da ONU, sai o maior elo de ligação com os Estados Unidos e sai o maior dador da União. Com o brexit, o centro de gravidade da União desloca-se para leste, e isso será mau para Portugal. A negociação para o divórcio será muito complexa, e o pior que pode acontecer é ela acabar por ser benéfica para os ingleses, considerando que tal provocaria um efeito dominó, levando outros países a quererem sair.
Durante muitos anos viveu-se na Europa o politicamente correto, mas hoje isso já não é assim. A Europa é hoje uma estrutura muito mais complexa: existem diferentes países uns mais fortes do que outros, formando uma espécie de hierarquia. O fator demográfico pesa muito. Os partidos do centro perdem poder - foram eles que fizeram a Europa - as franjas crescem. A solidariedade e a generosidade estão em crise na UE e com isso destrói-se a a essência da construção europeia e enfraquece-se a possibilidade de conquistar as populações. Vão-se criando espaços de eurocéticos alimentados pelos sentimentos de insegurança e medo. As novas gerações enfrentam o desemprego, falha a capacidade de integração das comunidades que chegam e também das segundas gerações. As pessoas esquecem-se das extraordinárias conquistas alcançadas - a paz, a liberdade, a democracia, a mobilidade, o programa Erasmus. Ao invés, a Europa é, nos discursos dos políticos para uso interno, o bode expiatório dos insucessos, a culpada de todos os males que lhes acontecem.
A Europa de euro é de difícil sustentação. As respostas europeias à crise financeira de 2007, foram casuísticas e incompletas, feitas ad´hoc, aos sabor da reação dos mercados ou dos ciclos eleitorais desconjugados. A acontecer, uma nova crise financeira será fatal pois a Europa não está preparada para a enfrentar. Isto acontece porque os dirigentes europeus não têm mandato para pensar a prazo. Veja-se o caso da política monetária do BCE: as decisões são tomadas a curto prazo, não há certezas do que virá a seguir, vive-se a esperar que o tempo vá resolvendo as coisas. Em decisões cruciais, na impossibilidade de agradar a todos, opta-se pela média aritmética, ou aplicam-se pensos rápidos, agindo por cobardia ou incoerência.
Sem estratégia, sem líderes visionários, sem gente, sem recursos, sem poder militar, sem ideais, encaixada entre o Atlântico e a Ásia - ou seja, entre a América e a Rússia -, ameaçada pelas suas contradições internas, a Europa que laboriosamente se autoconstruiu durante 60 anos parece estar a entrar, agora, num rápido processo de autodestruição.
Que fatalidade é esta que pesa sobre um espaço que já foi o centro do mundo?