Leis a pretexto de notícias falsas estão a punir jornalistas

A propósito do Dia Internacional da Verificação de Factos, o jornalista ganês Kwaku Krobea Asante, publicou um artigo no Pointer sobre “as vítimas” das leis de combate às notícias falsas. Estas leis que deveriam existir para punir as notícias falsas estão, afinal, a punir jornalistas.
Segundo Asante, “os governos da África Ocidental usam a cobertura crítica como bode expiatório, com base nas leis de notícias falsas.”
O jornalista, investigador na área das fake news, começa por contar a história de Sossou: “na madrugada de 20 de dezembro de 2019, seguranças armados invadiram a tranquila residência do jornalista beninense Ignace Sossou”. Sem mandato de detenção, arrastaram o jornalista para longe da esposa e da filha de 5 anos, e levaram-nos para o Centro de Repressão ao Cibercrime. “Ele ficou detido durante quatro dias”, conta Krobea Asante.
O investigador explica as razões, que já são conhecidas: “Sossou tinha citado o promotor público de Benin em publicações nas redes sociais quando o funcionário público falou num evento e disse que “o corte da Internet no dia da votação, em 28 de abril (2019) é uma admissão de fraqueza por parte daqueles que estão no poder”. Mais tarde, lamentou o impacto dos seus comentários, que pareciam criticar o governo por desligar a internet do país no dia da eleição, pelo que o promotor público se retratou na sua afirmação e disse que o jornalista o citou fora de contexto. Foi por insistência do promotor, que Sossou foi preso”.
“Apesar dos protestos pela sua libertação por parte de muitas organizações de liberdade de imprensa em todo o mundo, Sossou acabou por ser condenado a 18 meses de prisão sob o «código digital» do país, por «assédio através de comunicação eletrónica». Adoptado em 2018, poucos meses antes da prisão do jornalista, o código digital deveria regular a economia digital do país, enquanto lidava com o assédio online e a publicação de notícias falsas”, relata o investigador.
A verdade é que, em menos de dois anos após sua adopção, o código digital do Benin levou a julgamento, pelo menos, 17 jornalistas, bloggers e dissidentes políticos do regime do presidente Patrice Talon. “A infeliz prisão de Sossou, aumentou os números”, diz Asante.
A rápida disseminação da desinformação fez com que muitos governos em todo o mundo criassem soluções para as combater.
Na última década, muitos países aprovaram, ou estão em vias de aprovar, leis que visam, especificamente, combater as notícias falsas. No entanto, diz o jornalista, que essas leis estão a ser, cada vez mais, utilizadas contra jornalistas que questionem os governos da África Ocidental.
Kwaku Krobea Asante dá, também o exemplo da Nigéria, onde a Lei do Cibercrime, adotada em 2015, “se tornou uma arma fundamental para amordaçar jornalistas críticos”. Agba Jalingo, editor do jornal online Cross River Watch, esteve 174 dias detido, após ser acusado de crime de traição e terrorismo por publicar uma história que alegava a apropriação indevida de fundos do estado pelo governo do estado de Cross River.
Outras histórias se seguem, como a dos jornalistas Oliver Fijero e Saint Mienpamo Onitsha. O primeiro foi alvo de cinco acusações de “perseguição cibernética”, depois de publicar uma série de reportagens alegando corrupção no banco estatal Sterling. O segundo, foi sequestrado por quatro homens do Serviço do Departamento de Estado por alegar, numa reportagem, que o centro de isolamento COVID-19 do estado de Kogi, tinha colapsado. O Estado negou a denúncia do jornalista e, posteriormente, acusou-o de publicar notícias falsas, de acordo com a Lei de Crimes Cibernéticos.
Embora a lista de vítimas destas leis seja longa, pois inclui muitos activistas de direitos humanos e opositores políticos, Asante considera que vale a pena notar que, em muitos dos casos onde a Lei do Cibercrime foi invocada, a única conexão “cibernética” é apenas a de que as denúncias foram publicadas online.
“Países como Nigéria, Costa do Marfim, Serra Leoa, Guiné e Níger e Togo, adoptaram leis semelhantes de cibercrime ou cibersegurança que reprimem a liberdade de expressão e perseguem jornalistas, com base na publicação de notícias falsas à menor provocação”, afirma Asante.
Asante dá, também, o exemplo do Senegal, “antes considerado um farol de liberdade de imprensa e governança democrática na África”, que aprovou o seu Código de Imprensa após uma revisão que durou cerca de 10 anos, supostamente para melhorar o clima de trabalho dos jornalistas. “Mas terminou com disposições amorfas, que criminalizam publicações que «prejudicam a decência pública» e publicam «notícias falsas», diz o jornalista, com penas de prisão até três anos.
“Em Burkina Faso, agora governado por uma junta militar, duas emendas principais no código penal, regulam a quantidade de informação que os meios de comunicação podem publicar sobre operações militares relacionadas a ataques terroristas. Os jornalistas de Burkina Faso correm o risco de serem presos, ou multados, por publicações consideradas prejudiciais à segurança do país. Embora não sejam rigorosamente aplicadas, as leis exigem que a média obtenha autorização antes de publicar histórias”, explica o autor do texto.
Recentemente, as autoridades do Mali acusaram a Radio France Internationale (RFI) e a rede de notícias de TV internacional estatal francesa, France 24, de “publicações falsas sem base ou qualquer outra”. Isto acontece depois da publicação de investigações das estações, a relatar que as Forças Armadas do Mali estão envolvidas em abusos dos direitos humanos. As duas estações foram "suspensas até novo aviso".
Kwaku Krobea Asante conclui, assim, que “hoje, na África Ocidental, jornalistas e verificadores de factos têm de lidar com o problema de combater as “notícias falsas”, propagadas principalmente por políticos e pelos seus agentes”, e, ao mesmo tempo, “evitar serem presos através de leis de notícias falsas aprovadas pelos mesmos políticos”.