Desde que os talibãs assumiram o poder no Afeganistão, um terço dos jornalistas saiu do país, enquanto os que permanecem, vivem sob ameaças, ataques, detenções ilegais e extorsões.

Recentemente, o The Guardian publicou um artigo sobre o tema, no qual conta algumas histórias. Os nomes foram alterados para proteger a verdadeira identidade dos intervenientes. 

O Guardian conta que Mortaza Behboudi, um jornalista, cidadão francês de origem afegã, voltou ao Afeganistão, de onde saiu aos 21 anos, para relatar a deterioração das condições humanitárias e das mulheres.

O jornalista “sentiu que era muito importante estar lá, não apenas porque conhecia o idioma, a história, a sua cultura, mas também porque qualquer história sobre o Afeganistão sem a visão do seu povo, não estará completa.”

Mas, dois dias depois de chegar a Cabul, e antes mesmo de começar o seu trabalho, Behboudi, foi preso pelos talibãs. Aleksandra Mostovaja, sua mulher, falou com ele apenas uma vez desde então – um breve telefonema na presença dos talibãs, que não informaram, oficialmente, o motivo por que foi preso, mas fontes disseram que pode ser acusado de espionagem.

Mostovaja acredita que a reportagem, que ia ser realizada pelo seu marido, pode ter sido o motivo da sua detenção. “Alguns jornalistas disseram-nos que eles [os talibãs] fazem essas detenções como alerta para os outros”, referiu.

Os jornalistas têm sido alvo dos talibãs, desde que estes tomaram o Afeganistão. Diante de ameaças às suas vidas e crescentes restrições ao seu trabalho, principalmente contra as mulheres, muitos estão a ser forçados ao exílio.

Vários jornalistas que falaram com o Guardian partilharam testemunhos de ameaças, ataques, detenções ilegais e extorsões.

Mas, os ataques a jornalistas no Afeganistão não se limitam aos talibãs.

Mohammad Sahil, um repórter afegão de 28 anos, sobreviveu a um ataque, com uma bomba do Estado Islâmico, num evento para homenagear jornalistas locais.

O ataque custou a vida a dois jornalistas afegãos e feriu dezenas de outras pessoas, incluindo Sahil, que sofreu graves danos nos ouvidos. “Eu tenho vivido com medo desde então, mudando de local todas as noites. Como Hazara e jornalista, sou um alvo do Isis”, diz, referindo-se ao grupo étnico que tem sido perseguido no Afeganistão.

Sahil diz que fez várias tentativas frustradas de deixar o Afeganistão após a tomada do poder pelos talibãs, que assumiram o controle do seu escritório e o transformaram numa escola religiosa. Depois de perder o seu trabalho, decidiu ir para o Irão, “na esperança de pedir asilo a um país europeu, a partir de lá”, conta. No entanto, foi forçado a retornar ao Afeganistão, depois de não conseguir estender o seu visto no Irão.

De volta ao Afeganistão, Sahil encontrou trabalho como freelancer para sustentar a sua família, mas aquele convenceu o jornalista de que terá de deixar o Afeganistão, mais uma vez.

Outro caso referido no artigo é o de Ahmad Idrees, um jornalista afegão de 38 anos que, mesmo antes da tomada do poder pelos talibãs, enfrentou ameaças do grupo insurgente.  

Idrees, recebeu cartas com a insígnia dos talibãs, no seu escritório e na sua casa, no norte do Afeganistão, que o declaravam como infiel e traidor, contendo ameaças de punição pelas suas reportagens críticas sobre as actividades do grupo.

Após a tomada do poder pelos talibãs, “comecei a receber, incessantemente, chamadas e mensagens nas redes sociais que ameaçavam matar-me e fazer mal à minha família. Depois de meses a esconder-me, em diferentes locais, não tive outra opção a não ser fugir do país”, conta o jornalista.

Idrees está entre os cerca de 250.000 afegãos que vivem no Paquistão, mas mesmo assim, não se sente seguro, onde já foi preso, com um colega, pela polícia local e obrigado a pagar um suborno.

Vários afegãos entrevistados pelo Guardian confirmaram que é comum as autoridades do Irão e do Paquistão extorquirem dinheiro aos refugiados. No início de 2023, mais de 600 refugiados no Paquistão foram enviados de volta ao Afeganistão.

“Não é possível entender o que está a acontecer no Afeganistão sem os jornalistas afegãos. Por isso é importante lutar pela sua liberdade de expressão. Não podemos ficar calados”, afirma Mostovaja, a mulher de Mortaza Behboudi, o jornalista francês-afegão detido.