Tragédia das inundações em Rio Grande do Sul reforça parceria entre jornalismo e o público

O jornalismo de soluções e as suas vantagens é o tema da mais recente reflexão do jornalista Carlos Castilho no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
O autor chama a atenção para a relevância do assunto no contexto das trágicas enchentes em Rio Grande do Sul, no Brasil, que deixaram mais de 550 mil pessoas desalojadas e dois terços dos aviários, rebanhos e terrenos agrícolas inundados.
“Num quadro tão sombrio e perturbador como este, o jornalismo tem uma contribuição inovadora para sanar, ou pelo menos reduzir, os efeitos da tragédia”, começa por afirmar o autor.
“É o chamado ‘jornalismo de soluções’, uma modalidade de prática jornalística preocupada em produzir notícias e informações capazes de ajudar as pessoas, instituições privadas e governos” a encontrar soluções para resolver os problemas que enfrentam.
O autor lembra que este tipo de jornalismo já é commumente usado nalguns países, nomeadamente nos Estados Unidos, onde cerca de três mil profissionais já receberam formação para implementar esta abordagem, segundo dados da Solutions Journalism Network, uma rede de organizações dedicadas ao jornalismo de soluções.
No entanto, no Brasil, este tipo de olhar “construtivo de problemas sociais e económicos graves ainda é pouco conhecido”.
O objectivo do jornalismo de soluções, nas palavras de Carlos Castilho, é “complementar” a informação prestada pelo jornalismo tradicional com “dados, factos e propostas” que visem solucionar os problemas das comunidades.
Nesse sentido, o jornalismo de soluções não procura substituir as chamadas “hard news”. “Para encontrar soluções é preciso conhecer a dimensão do problema”, explica o jornalista.
Ainda assim, as duas abordagens diferem nalguns aspectos. Muitas vezes, o jornalismo tradicional dá centralidade ao “lado mais dramático, negativo e pessimista das notícias, o que gera uma sensação de impotência e resignação entre as pessoas”. “Já o jornalismo de soluções está directamente associado a procurar saídas e alternativas para os dilemas e desafios”, compara Carlos Castilho.
Portanto, enquanto o jornalismo de soluções “enfatiza o que está a ser feito para resolver o problema”, as hard news limitam-se “a descrevê-lo”.
Contudo, o autor lembra que a opção pelo “sensacional e o espectacular” do jornalismo tradicional atrai público. “Com o passar dos anos, as pessoas acabaram por se acostumar a este tipo de descrição de dados, factos, ideias e acontecimentos, o que levou a associar jornalismo com narrativas impactantes, extraordinárias ou desestabilizadoras”.
Por isso, “há toda uma inércia a ser superada no desenvolvimento de novas estratégias de produção de notícias”. É necessário que os profissionais associem “a notícia à procura de soluções” e que manifestem “preocupação com a educação do público, visando mostrar a necessidade de sua participação nos processos” das comunidades.
Por exemplo, no contexto das enchentes de Rio Grande do Sul, é papel dos jornalistas ouvir a “população que sofreu o impacto das inundações” e cuja experiência lhe dá uma sabedoria “insubstituível na busca de soluções”. Ao mesmo tempo, os repórteres também precisam de “traduzir para a linguagem corrente conhecimentos técnicos de especialistas em engenharia, urbanismo ou meio ambiente”.
Finalmente, esta “parceria entre jornalismo e o público, quando baseada no respeito mútuo e na busca colectiva de soluções, tende a aumentar a confiança recíproca”, que funciona como “antídoto contra a proliferação de notícias falsas, boatos e desinformação”, conclui o jornalista.
(Créditos da imagem: Agência Brasília, Wikimedia Commons)