“Vivir sin permisso”, a série de José Coronado, produzida pela Alea Media, exibiu o seu último episódio nas primeiras horas do confinamento que a Espanha enfrentou em meados de Março, de 2020, devido à pandemia do COVID-19. Esse episódio atraiu em média 2,4 milhões de telespectadores, apesar de a Netflix, a ter feito perder centenas de milhares de telespectadores ao tê-lo disponível no seu catálogo por vários meses. “Entrevías”, com o mesmo protagonista e os mesmos criadores, terminou a sua passagem pela Telecinco, sendo a revelação da temporada. Mas teve uma audiência inferior a dois milhões de telespectadores.

A comparação dessas duas séries, explica de certa forma, o que está a acontecer entre a televisão linear e as plataformas de streaming. Os espectadores ausentam-se das emissões tradicionais durante o horário nobre, mas, por enquanto, os canais tradicionais estão a colaborar com os novos. Na verdade, nem tudo são más notícias.

Os concorrentes de conteúdo por assinatura ainda não dominam os formatos convencionais de televisão, como reality shows, informações ao vivo, desporto e histórias locais, o que abre caminhos para a colaboração entre os dois mundos. Também enfrentam a ameaça potencial de precisar de dividir a publicidade.

Segundo o relatório sobre o consumo de televisão, realizado anualmente pela consultoria Barlovento Comunicación, em 2017, a Telecinco era o canal mais visto pelo sexto ano consecutivo, embora o tenha conseguido com o menor índice para o líder de um ranking anual. Obteve uma média nesses doze meses de 13,3%.

A televisão por subscrição aumentou a sua relevância na audiência diária e registou os seus melhores dados históricos, com quase 6,1 milhões de lares em Espanha já a consumir esta modalidade.

Os canais não livres (Fox, AXN, TNT, Calle 13, Movistar Liga...) obtiveram um importante impulso, atingindo 7,8% de participação. .

A grande concorrência dos generalistas, desde então, tem sido as plataformas de streaming. Em 2017, a Espanha já contava com quatro milhões de assinaturas de chamadas OTT (abreviaturas em inglês para over the top, também traduzido como serviço de streaming gratuito), como Movistar Plus+, Netflix, HBO Spain e Amazon Prime Video, segundo os registos obtidos pela Comissão Nacional de Mercado e Concorrência (CNMC).

Desde 2021, a Netflix tem sido a plataforma com maior penetração no mercado espanhol. Com o acesso de 23,4 milhões de espanhóis, ou seja, aproximadamente 60% da população com mais de 15 anos. Atrás,estão Amazon Prime Video (53,7%), HBO Max (26,4%) e Disney+ (21,4%).

Ao comparar os dados do relatório de 2017, com os actuais, vemos que o consumo audiovisual como um todo não diminuiu, mas o da televisão linear sim. A título de exemplo, temos o horário nobre, que em Espanha é programado a partir das 22 horas. Em 2021, a meia hora com maior presença de telespectadores, que é das 22h15 às 22h45, atingiu 15,5 milhões de telespectadores. São quase três milhões a menos do que nos anos anteriores.

Admitindo que o horário de pico de consumo dos OTTs também é, também, à noite entre as 21 e as 24 horas, os analistas entendem que há praticamente o mesmo número de pessoas em frente às televisões, embora os canais tradicionais continuem a perder relevância para os novos modos de entretenimento.

É uma questão importante, pois é nesse horário que facturam boa parte da sua receita publicitária.

Será que à medida que as redes generalistas obtêm menos receitas publicitárias, decidem investir menos dinheiro no financiamento de produtos audiovisuais de qualidade? José Manuel Eleta, ligado à direcção da Barlovento Comunicación, não pensa assim e afirma: “A televisão linear vai manter o nível de qualidade. Não deverá baixar o nível”.

O problema da perda de receita publicitária pode ser agravado agora que algumas das grandes plataformas já anunciaram que, em breve, lançarão assinaturas mais baratas que incluem anúncios, para alcançarem mais espectadores.

No entanto, é preciso lembrar que tanto a Atresmedia como a Mediaset España contam com plataformas próprias, que se converteram num novo canal de negócios, que lhes permite compensar e recuperar algum terreno.

AtresPlayer Premium - que, além de ter conteúdo exclusivo, também avança o conteúdo estrela da Antena 3 - chegou a 2022 com 427 mil clientes pagantes. O MiTele Plus, seu concorrente, chega a 207 mil assinantes. Entretanto, a RTVE Play, que é gratuita, tenta fazer com que a entidade pública não perca influência nesta área do audiovisual.

Um exemplo de como esses novos players podem entrar forte no mercado publicitário é dado pela consultoria Fluzo. Um total de 12.274 milhões espanhóis, com mais de 18 anos, assistiram a um capítulo da série de produção sul-coreana “The Squid Game”, nas quatro semanas após a sua estreia (entre 17 de Setembro e 12 de Outubro de 2021), sem contar com os adolescentes menores de idade e os telespectadores que aderiram à série da moda nas semanas posteriores. É um número que muitos dos conteúdos da Antena 3, Telecinco e La 1, actualmente dificilmente alcançam”. Além disso, a Fluzo, calculou que 46% desse enorme número de telespectadores, que acompanhavam as séries asiáticas no horário nobre, desviam a audiência dos generalistas, no momento mais lucrativo do dia.

Mas a transferência de telespectadores, não é unidirecional das cadeias habituais para plataformas de streaming e canais pagos. Hoje, sabemos que através das televisões inteligentes ou Smart Tv´s, também podemos aceder a videojogos online e às plataformas de vídeo da internet, como o YouTube ou o Twitch, sem que seja necessário mudar de dispositivo ou recorrer a um telemóvel ou tablet. “Os 210 minutos de consumo de televisão linear, por pessoa, por dia, ainda é um número muito bom, embora tenha caído em comparação com os dados anteriores à pandemia de coronavírus, enquanto o outro tipo de uso da televisão aumentou, por pessoa e por dia para os actuais 35 minutos”, afirma o vice-director da Barlovento Comunicación.

A pandemia mostrou os pontos fortes da televisão tradicional. O confinamento de 2020 e as consequentes restrições em 2021, não só aumentaram as horas de consumo televisivo e o número de novos assinantes de conteúdos pagos, mas, também revelou os pontos fortes da televisão. “A pandemia também nos fortaleceu”, lembra Andoni Aldekoa, presidente de La Forta, “porque neste momento houve uma grande procura por informações locais por parte dos telespectadores, que também queriam que fosse de última hora e em directo”.

É um tipo de conteúdo que as plataformas não costumam gerar e que não oferecem nos seus catálogos à la carte. Enquanto as redes generalistas produzem, continuamente, esses programas e podem incorporá-los nos seus serviços a pedido, por meio dos seus sites, páginas e aplicações para telemóveis e tablets. De facto, as transmissões ao vivo, e, principalmente, os noticiários são alguns dos conteúdos com os quais a nova televisão sob subscrição não pode competir.

Tudo pode mudar se os gigantes, como a Netflix ou Amazon Prime Video, decidissem entrar ao vivo e transmitir esse tipo de conteúdos em directo.

A sua situação financeira é muito boa, por mais que o seu valor de mercado caia devido à desaceleração das assinaturas nos últimos meses. Tem capacidade para enfrentar essas despesas astronómicas sem a necessidade de aumentar excessivamente a sua mensalidade. Os grandes grupos audiovisuais espanhóis sabem disso e por isso continuam agarrados ao desporto.

A Telecinco aposta na transmissão de competições de futebol para melhorar os seus resultados. O mesmo acontece com a Televisión Española. Para conseguir a transmissão do Campeonato do Mundo de Futebol pagou entre 35 e 40 milhões de euros para superar as ofertas da Atresmedia e da Mediaset España. Com esse orçamento, provavelmente poderia ter financiado as estreias com as quais renovaria a sua programação para uma temporada inteira. Mas ninguém quer perder a nova e iminente tendência televisiva.