“Sem medo e sem favores” é a chave do “Financial Times” defendida por Roula Khalaf

Numa entrevista publicada no ABC International, Roula Khalaf, directora do Financial Times (FT) aborda temas como, a importância da confiança no jornalismo, a incerteza económica, as redes sociais e a inteligência artificial.
Nascida no Líbano e com uma carreira relevante enquanto jornalista correspondente, Roula Khalaf fez história, em janeiro de 2020, ao tornar-se a primeira mulher a dirigir o FT, que conta, já, com 135 anos. O jornal, de propriedade japonesa e sede em Londres, está a passar por um bom momento, com cerca de 1,3 milhões de leitores assinantes.
“Fomos pioneiros no modelo de assinatura digital”, constata a directora do FT. Neste momento “qualquer organização de notícias que está a prosperar, usa um modelo de assinatura. Os leitores estão dispostos a pagar por um jornalismo de qualidade, mesmo os mais jovens. E o jornalismo é caro de produzir. Também acredito que o mercado de publicidade digital está mais forte agora, do que o esperado. Houve um período, na transição inicial do impresso para o digital, em que o mercado da publicidade digital estava a ser totalmente engolido pelo Facebook e pelo Google. Parece que agora, e a pandemia terá influenciado, está muito mais saudável”, refere.
Khalaf acredita que o principal perigo para o FT “é perder a confiança dos leitores”, uma vez que “existe uma relação com eles. Não é só porque pagam uma assinatura, mas porque confiam”. “Se perdes a confiança dos leitores, então não terás mais nada”, afirma.
A jornalista diz que “estamos num momento muito frágil, devido aos riscos causados pelas taxas de juros. É uma situação que não tínhamos anteriormente. Passar tão rapidamente de uma política monetária flexível para um ambiente de alta taxa de juros, tem consequências”, afirma. No entanto, considera que o FT “é uma fonte confiável de jornalismo financeiro e de negócios, o que atrai muito mais leitores que procuram informações em momentos como este”. “Eles procuram-nos mais em tempos de maior incerteza. As pessoas procuram guias e fontes de informação confiáveis”, constata.
A credibilidade é algo que Roula Khalaf crê ser, de facto, muito importante para o FT, o que também abrange o elevado grau de confiança que os jornalistas têm com as suas fontes, nomeadamente com executivos que são, normalmente, prudentes e discretos. Isto acontece, no caso do FT, porque essas fontes “sabem que iremos informar da forma mais justa e correta”, afiança.
“Sem medo e sem favores”, é o slogan do FT, que Roula Khalaf, considera ser “um lema muito bom”. “Acho que é um mantra que uma directora deve seguir”, acrescenta.
Além disso, Khalaf refere que “os factos são o que há de mais importante, principalmente num momento em que há tanta desinformação no mundo”. A directora diz, por isso, que insiste com os jornalistas para que tenham o cuidado de ler os seus trabalhos e certificarem-se de que “está tudo correcto”, uma vez que, por vezes, o seu envolvimento no assunto, ou a pressa, podem fazer com que percam “a visão geral dos acontecimentos”.
Khalaf dirige uma redacção composta por 600 profissionais, 100 deles correspondentes dedicados, em grande parte, a cobrir as complexas relações que o dinheiro gera ao redor do mundo e as suas consequências em inúmeras áreas. Em apenas três anos como directora, teve de lidar com uma pandemia, com o Brexit, com uma colossal tragédia em Beirute, sua cidade natal, e uma guerra na Europa.
O Financial Times tem diferentes edições internacionais e muitos leitores fora do Reino Unido. Sobre este tema, e sobre os objectivos de crescimento do jornal, Khalaf diz: “temos que ser extremamente competitivos nos Estados Unidos e na China. Nos Estados Unidos temos mais repórteres do que nunca, enquanto na China temos uma equipa dentro do país, outra em Hong Kong e, ao lado, uma equipa global focada na China, a trabalhar do exterior. No entanto, permanecemos em muitos lugares onde os outros não estão. Estamos prestes a abrir um escritório na Indonésia, porque acreditamos que esta é a história do futuro”. Assim, “temos de ajudar o leitor a entender certas partes do mundo que os outros não cobrem ou podem não ser actuais”.
“Os últimos dez anos foram extremamente difíceis para o Médio Oriente. Acho que não me lembro de uma época em que houvesse tantos Estados falidos e tantos países em conflito. Há uma área mais estável, o Golfo, que é beneficiário da enorme liquidez do petróleo e do gás. O resto do Oriente Médio é um caos completo. E não vejo perspectiva de melhoras ou resolução de nenhum dos conflitos”, explica, também, a directora do FT.
Nesta entrevista, Roula Khalaf fala, também, acerca das redes sociais: “Alguns actores estatais tendem a explorar as redes sociais para fins nefastos”, considera.
Sobre este tema, Khalaf diz, também, que regular o comportamento dos jornalistas nas redes sociais, é “bastante complicado para todos os directores”. Até que ponto os jornalistas devem poder expressar a sua opinião nas redes sociais?”, deixa a questão. “Vemos que às vezes os jornalistas vão longe demais” e é necessário “falar com eles e dizer que se estão a comportar de forma inadequada. Por isso temos uma política de redes sociais, vinculada ao nosso código editorial”, articula. “Acho que há uma pequena diferença entre o que os jornalistas podem dizer e o que os colunistas podem dizer. Os colunistas escrevem opinião e acho que estes têm um pouco mais de liberdade. Mas é complicado. Isto não é preto ou branco”, acrescenta.
Relativamente ao tema da utilização da inteligência artificial (IA), Khalaf diz que o FT tem vindo a fazer experiências para ver onde pode ser útil. “Há duas áreas que me interessam. Uma é tentar organizar e extrair informações para encontrar histórias, e a outra é o uso potencial acerca de algumas informações em crescimento. Estou a pensar em como isto pode ajudar o jornalismo a acelerar o acesso à informação e a encontrar histórias”. E conta que há uma equipa, na secção de dados do jornal, “que está a experimentar e a tentar perceber quais poderão ser” os usos da IA. “Mas ainda estamos numa etapa de experimentação”, remata.
Por isso, relativamente aos próximos anos, “algo muito importante para o Financial Times é continuar a inovar. Acredito que esta indústria está em rápida e constante mudança. Sem dúvida, temos de entender a Inteligência Artificial. Temos de entender como é que isso nos pode ajudar e também temos que entender quais são os seus perigos. A Inteligência Artificial será um grande desafio para todos na indústria jornalística”, conclui a directora do FT.