Quando se admite em conferência que “o país pode acordar sem jornais”…
Os principais responsáveis dos grupos de comunicação social em Portugal alertaram para uma nova crise iminente no sector dos media, motivada pela inteligência artificial (IA) e por uma regulação desajustada face à realidade digital. As conclusões foram apresentadas no painel “Sustentabilidade e o futuro digital”, realizado no âmbito da conferência dos 20 anos da ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que reuniu administradores de grandes grupos, directores de jornais e representantes institucionais.
Pedro Morais Leitão, presidente executivo da Media Capital, recordou que “nestes 20 anos passámos por duas crises graves: a primeira, em 2010, de natureza financeira, e a segunda, em 2020, associada à Covid-19”, prevendo agora que “nos próximos cinco ou seis anos teremos outra crise grave”. Segundo o gestor, o impacto da IA “vai acelerar qualquer que seja o efeito da próxima crise nas receitas”. Ainda assim, considera que o sector vive um momento de “robustez financeira que há muito tempo não existia”. Apontou como sinais positivos a possível entrada da MFE na Impresa, o investimento de 14 empresários na Media Capital”, o envolvimento de Ronaldo e outros investidores na MediaLivre, além do apoio da Sonae e da Igreja Católica a outros grupos de comunicação.
Contudo, Luís Santana, administrador da Cofina, salientou que o verdadeiro problema é a concorrência desigual com as plataformas digitais globais. “Deixou de ser entre pares e passou a ser com entidades que não conheço, não estão em Portugal, não pagam impostos em Portugal e levam dois terços das nossas receitas de publicidade – cerca de 170 milhões de euros”, denunciou. Acrescentou ainda que “todos os dias somos roubados de forma absolutamente indescritível”, numa referência à pirataria e à apropriação de conteúdos pelas redes sociais.
O presidente da RTP, Nicolau Santos, defendeu que “o mercado português só tem futuro se a regulação permitir realmente que haja um mercado”. Para o responsável, a sustentabilidade dos media depende de uma regulação robusta, tanto da ERC como da Anacom, sem a qual “nenhum plano estratégico individual da RTP ou privado é suficiente para garantir o futuro”. Nicolau Santos sublinhou ainda que “a concorrência essencial já não é a TV versus streaming, mas sistemas de recomendação não auditáveis versus pluralismo verificável”, contrapondo a inteligência artificial global aos espaços de media portugueses.
O presidente do conselho de gerência do Grupo Renascença Multimédia, cónego Paulo Franco, apelou à cooperação entre empresas do sector, declarando que “o mundo dos media precisa de se articular. Precisamos de nos defender uns aos outros”, em consonância com o alerta para uma nova crise lançado por Pedro Morais Leitão.
Francisco Pedro Balsemão, CEO da Impresa, recordou palavras do seu pai, Francisco Pinto Balsemão, nas primeiras conferências da ERC, em 2007 e 2008: “O velho estilo de regulação já não é adequado para regular um número indeterminado de fornecedores de serviços, produtores profissionais e amadores, conteúdos lineares e não lineares, on demand, em redes sociais ou blogs, para além do peso determinante dos motores de busca que, sem produzirem conteúdos próprios, se servem abusivamente dos nossos e absorvem mais de 50% da publicidade mundial online.”
Francisco Pedro Balsemão reforçou o apelo à justiça regulatória: “Não podem ser os media tradicionais a pagar a factura, só porque é mais fácil legislar sobre eles”, acrescentando que a preservação das marcas jornalísticas “não se compadece com visões passadistas dos Estados, dos reguladores e da Comissão Europeia”, que continuam a restringir a publicidade nos meios tradicionais enquanto “os motores de busca se apropriam dos anunciantes e infringem as leis do copyright”.
Apesar das dificuldades, o dirigente da Impresa assegurou que os meios incumbentes têm sabido resistir, rejeitando a expressão “media tradicionais” por remeter “para o ruminar de dinossauros”.
Também Luís Santana partilhou em tom de esperança que “podemos acreditar que os media têm futuro”, desde que se invista na modernização e consolidação das marcas. Porém, lamentou a lentidão da execução do plano de acção para os media, nomeadamente o apoio à distribuição. E deixou um aviso final: “Parece que tarda em se perceber que amanhã o país pode acordar sem jornais. Mas, se calhar, isso não tem problema nenhum. Se calhar o que interessa é que a comunicação social esteja fragilizada, que não tenha futuro.”
(Créditos da imagem: imagem retirada do site do jornal ECO)