Quando o jornalista erra sobre a investigação científica
Muitas vezes, os jornalistas escrevem sobre estudos científicos ou recorrem a estes para fundamentar os seus artigos. O site Journalist’s Resource fez uma lista com dicas para evitar erros na forma como se usam os dados científicos em trabalhos jornalísticos.
“Uma queixa comum que ouço dos investigadores é que os jornalistas cometem muitos erros quando escrevem sobre estudos académicos. Muitas vezes, por exemplo, os resultados são descritos de forma incorreta ou os textos dizem que uma nova investigação prova algo, quando isso não é verdade”, lê-se na introdução.
O projecto The Journalist’s Resource, desenvolvido por um centro de investigação em média e políticas públicas da Harvard Kennedy School, tem como objectivo publicar informação que diminua a distância entre as redacções e a academia, para assegurar uma cobertura noticiosa alicerçada em informação de elevada qualidade.
Embora, neste caso, o artigo seja dirigido aos investigadores, os jornalistas podem utilizar algumas das dicas no seu próprio trabalho — quer nas entrevistas com os académicos, quer na forma como escrevem depois sobre os assuntos para o público geral.
1. Usar linguagem simples
Os termos técnicos usados para descrever métodos ou dados estatísticos podem levar a confusão sobre o verdadeiro significado dos resultados de uma investigação.
Os jornalistas devem pedir aos académicos que traduzam para linguagem comum as ideias mais técnicas.
Por exemplo, quando os cientistas dizem que “encontraram uma associação positiva entre a poluição do ar e a demência em adultos mais velhos”, isto quer dizer que “os adultos mais velhos expostos a níveis mais elevados de poluição do ar têm maior probabilidade de desenvolver demência”.
2. Dar exemplos de como explicar a relação entre as variáveis em estudo
Embora às vezes duas situações ocorram ao mesmo tempo, isso não quer dizer que haja uma relação de causa-efeito entre elas. Este é um erro comum na comunicação jornalística de resultados científicos.
Imaginemos que um estudo mostra que houve um aumento da taxa de criminalidade em dez cidades depois de ter sido implementado um novo programa de combate ao crime. Ao mesmo tempo, os autores do estudo explicam que não há dados a indicar que o novo programa seja a causa do aumento da taxa de criminalidade. Nas notícias, é crucial que esta associação causal não seja feita.
Quando têm dúvidas sobre as relações entre as variáveis em questão nos estudos, os jornalistas podem pedir aos investigadores que lhes dêem exemplos concretos de como formular a apresentação dos resultados.
3. Ter cuidado com a generalização de resultados
“Muitas notícias ou títulos generalizam de forma abusiva os resultados dos estudos”, como se os dados se aplicassem a grupos mais abrangentes do que aqueles que foram estudados, explica o artigo.
Os jornalistas devem sempre confirmar se os resultados se aplicam apenas à população estudada.
Por exemplo, se um artigo “conclui que 25% dos estudantes atletas das universidades públicas de um certo estado reportam ter consumido marijuana” e os autores do estudo dizem que os resultados só se aplicam aos estudantes atletas dessas universidades, será incorrecto um jornalista dar a entender que outros grupos de estudantes também se comportam desta maneira.
Sempre que tenham dúvidas, os jornalistas devem pedir aos investigadores que esclareçam quão generalizáveis são os dados.
4. Fazer um resumo dos aspectos-chave da investigação
No final das entrevistas, os próprios jornalistas podem fazer um apanhado das principais ideias comunicadas pelos investigadores, para se certificarem de que perceberam bem toda a informação. Podem, ainda, perguntar se os investigadores conhecem publicações que tenham divulgado os resultados do estudo de forma precisa e que possam servir de eventual referência.
5. Fazer perguntas adicionais e confirmar escolha de palavras
Durante a redacção da peça, caso os investigadores tenham mostrado disponibilidade, os jornalistas devem esclarecer dúvidas que surjam, incluindo sobre a formulação de certas ideias ou o uso de determinados termos. Mesmo sem partilhar o texto integral, é possível partilhar algumas frases e citações e perguntar se a ideia expressa a informação científica de forma rigorosa.
No artigo original do Journalist’s Resource, são dadas outras dicas, incluindo sobre a interpretação dos textos dos press releases e a comunicação dos valores do desvio-padrão.
No site do projecto é, ainda, disponibilizada uma secção com artigos, explicadores e outros recursos para aumentar a literacia sobre investigação académica e ajudar os jornalistas a escrever sobre dados científicos.
(Créditos da fotografia: pikisuperstar no Freepik)