A crescente falta de confiança no jornalismo e possíveis soluções para este problema é o tema da reflexão de Juan Carlos Laviana, num artigo publicado nos Cuadernos Periodistas, da Asociación de la Prensa de Madrid (APM), com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.

“Que a sociedade está a perder de forma progressiva a sua confiança nos meios de comunicação social salta à vista”, diz o jornalista, acrescentando que já é pouco comum ouvirmos frases como “vem no jornal” ou “disseram na rádio”.

Para “recuperar a confiança perdida”, é preciso reflectir de forma metódica sobre o tema. Ora, para desenvolver as suas ideias, Juan Carlos Laviana, fundador do diário El Mundo, recorre a três relatórios de referência no sector — o Informe Anual de la Profesión Periodística, relatório da APM, o Digital News Report, do Reuters Institute, e o estudo da Gallup para a realidade norte-americana.

O texto está organizado em três partes: “ponto da situção”, em que o autor resume os principais dados estatísticos disponíveis, “o que enfrentamos?”, onde identifica os problemas nas mãos dos jornalistas, e “como recuperar a confiança?”, em que propõe possíveis soluções.

“Ponto da situação”: Alguns dados estatísticos

“Conhecer qual é a situação actual é indispensável para saber o que enfrentamos”, afirma o autor do artigo.

Segundo a edição de 2023 do Informe Anual de la Profesión Periodística, da APM, os próprios jornalistas dão uma pontuação de 5,7, em 10, ao grau de confiança na informação. Quando questionados sobre os principais motivos para esta classificação, duas respostas sobressaem: a “falta de independência política ou económica” dos meios e a “falta de independência, rigor e neutralidade” no exercício da profissão.

Em conformidade, a independência dos jornalistas recebe a classificação de 4,7, na mesma escala. Muitos jornalistas afirmam receber pressão para alterar partes essenciais dos seus artigos. “O pessimismo dos profissionais revela não só que algo está a falhar no sector, mas também que o desânimo de apoderou das redacções”, comenta o jornalista.

Mas a perda de confiança é um “fenómeno global”. De acordo com o Digital News Report, a confiança do público nas notícias caiu dois pontos percentuais no último ano, havendo, em média, apenas quatro em cada dez pessoas a afirmar que confiam na maioria das notícias. Nos extremos, encontram-se a Finlândia (69% da população confia no jornalismo) e a Grécia (19%). Espanha aparece a meio da tabela, com 33%.

Já nos EUA, os dados do inquérito Gallup revelam um “resultado desanimador”, com 39% dos norte-americanos a não ter “nenhuma” confiança nos meios de comunicação social. Por outro lado, 32% dos inquiridos mostrou ter “muita” ou “bastante” confiança nas notícias. Pondo os dados em perspectiva, importa referir que, na década de 1970, a confiança no jornalismo rondava os 70%.

“Não estamos só perante uma crise dos média”, diz o consultor e professor de comunicação Shelly Palmer, citado por Juan Carlos Laviana. “Estamos perante uma crise social quando cerca de quatro em dez norte-americanos não têm fé alguma na instituição que se encarrega de os informar. Temos um problema”.

“O que enfrentamos?”: A responsabilidade dos jornalistas

“Esse preocupante ponto de situação leva-nos a uma reflexão autocrítica sobre os erros cometidos pela própria profissão, que são os únicos sobre os quais temos capacidade de actuação”, comenta o autor do artigo, identificando, de seguida, alguns dos factores que estão nas mãos dos jornalistas.

A “polarização” dos meios espanhóis tem-se feito notar não só nas falta de pluralidade das colunas de opinião, mas também nas informações publicadas. “Com frequência, muitas informações parecem forçadas até conseguir a orientação desejada”, afirma.

O “sensacionalismo” está a ganhar cada vez mais espaço, com as redacções a ceder a uma agenda informativa condicionada pelos assuntos que geram mais tráfego nas redes sociais e pela política do clickbait.

De alguma forma relacionada, a ideia de “informação-espectáculo” leva a que, para os espaços de comentário, se escolham figuras não pela sua “autoridade em determinados assuntos”, mas “pelas suas posições políticas ou pela sua popularidade”. “Não é de estranhar que o público desconfie de um comentador que tanto opina sobre a situação política como sobre a pandemia ou o conflito no Médio Oriente”.

Também o afastamento dos jornalistas das redacções, pela já referida falta de independência, a “dispersão da informação”, com pouca distinção entre uma reportagem de fundo e um tema partilhado nas redes sociais, e a “epidemia da desinformação” entram, na opinião de Juan Carlos Laviana, na lista de aspectos internos sobre os quais o jornalismo tem de reflectir para fazer alguma mudança.

“Como recuperar a confiança?”: Sugestões de medidas

  • “Menos opinião, mais análise”: “À procura de confirmar a sua linha [editorial], muitos meios enchem as suas páginas com peças de opinião”. Fazem falta as análises dos assuntos, havendo muitos leitores a queixar-se de que as notícias são difíceis de compreender.
  • “Reconciliação dos jornalistas com as empresas”: Para que um meio seja independente, precisa de ter uma equipa “unida” e a sentir que participa nas decisões da redacção. Os jornalistas devem ser vistos como “trabalhadores intelectuais”, pelo que devem ser bem remunerados, ter boas condições laborais e não podem ser postos à parte nas decisões editoriais. Também a existência de um “espírito de redacção” é essencial para recuperar a qualidade dos conteúdos e, consequentemente, a confiança do público.
  • “Transparência”: É necessária não só maior transparência empresarial — sobre quem são os financiadores das empresas, quais são os estatutos editoriais, “quem é quem na estrutura” —, mas também transparência editorial — quais são as normas éticas, como funcionam os processos informativos, quem assina peças informativas e peças de opinião.
  • “Interacção com o público e criação de comunidade”: O público já não pode ser mero receptor da informação, é preciso “criar canais próprios de interacção” com as pessoas, ouvi-las, conhecer as suas opiniões, “pedir desculpa quando nos enganamos”, defende o autor do artigo. A existência de grupos de que o público possa fazer parte, tais como clubes de leitura, grupos de debate, passatempos, ajuda a criar este espírito de comunidade.

Em jeito de conclusão, Juan Carlos Laviana deixa duas reflexões retiradas de um livro editado recentemente, Directores, que reúne entrevistas com jornalistas de todo o mundo. “O jornalismo de qualidade não pode sobreviver nas redes sociais”, diz Maria Ressa, prémio Nobel da Paz e presidente do Rappler, principal jornal digital das Filipinas. A segunda reflexão é do jornalista Carlos Dada, de El Salvador, director do jornal El Faro (O Farol): “O jornalista apenas deve ao seu público os seus princípios. […] Não podemos basear o nosso trabalho nas emoções das pessoas. […] O nosso trabalho não é um concurso de popularidade”.

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