Os “activistas da informação” e a necessidade de repensar o jornalismo local
O dilema da sustentabilidade financeira nos projectos de jornalismo local é o tema da mais recente reflexão de Carlos Castilho no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
Para o jornalista brasileiro, este é “um problema que envolve três questões altamente dependentes entre si, formando um tripé sem o qual a frustração é quase inevitável”.
A consciência do valor da informação
A primeira perna do tripé de que Castilho fala é a necessidade de que o público valorize as notícias.
“As pessoas só pagarão por notícias que elas considerem indispensáveis para o seu dia-a-dia ou [que lhes] despertem algum interesse”, considera o autor.
No entanto, muitos jornalistas, particularmente aqueles que estão integrados em redacções que dependem de publicidade, tendem a seguir uma “agenda influenciada por anunciantes” e “associada aos interesses e necessidades de empresários e políticos”, diz Carlos Castilho.
Trata-se de uma cobertura que “dificilmente as pessoas comuns pagariam para ler, ouvir e ver”, observa o autor, mencionado um estudo feito recentemente em Florianópolis, em que 75% a 80% dos inquiridos disseram ser contra pagar por notícias.
Para contrariar esta tendência, “é necessário descobrir o que as pessoas realmente desejam” encontrar nos jornais, sublinha Castilho.
Ora, isso faz-se “através de uma vivência directa do jornalista com o público”, da identificação dos “fluxos de notícias que condicionam a formação de opiniões e percepções das pessoas” e da observação dos “comportamentos sociais com uma visão quase antropológica”.
O que nos remete para a segunda perna do tripé.
A relação dos jornalistas com o público
Carlos Castilho descreve dois tipos de ligação entre jornalistas e cidadãos.
Por um lado, existem os profissionais “que herdaram o DNA comportamental da imprensa analógica” e que “ainda estão fortemente influenciados pelas regras da isenção, imparcialidade e objectividade”. Só que a sua forma de trabalhar muitas vezes cria distância em relação ao público e até “desconfiança” e “hostilidade”.
Por outro lado, os chamados “activistas da informação” têm uma atitude diferente. São “geralmente nascidos na era digital” e agem “de forma empírica” na sua exploração do “território informativo”.
O seu relacionamento com o público “ocorre de forma intuitiva”, e estão “imersos em populações periféricas” ou em grupos com “interesses específicos”.
O resultado são, efectivamente, publicações jornalísticas com uma agenda muito diferente daquela que aparece na “grande imprensa”.
O “problema dos activistas” e das suas iniciativas é o elevado índice de fracasso — “quase de 70%, segundo estimativas feitas nos Estados Unidos”, refere o jornalista.
A acumulação de projectos frustrados não só “alimenta o pessimismo” dos profissionais, como aumenta o “cepticismo” das pessoas, prejudicando o surgimento de novos projectos.
Conhecer as narrativas digitais
Finalmente, “não adianta desenvolver uma agenda alternativa e nem tampouco estar imerso na comunidade”, se as mensagens não obedecerem ao formato consumido em cada cultura local.
A terceira perna do tripé está, portanto, relacionada com os “fluxos informativos através das plataformas digitais” (tais como, Facebook, Instagram, TikTok e X) e com as características particulares das designadas “narrativas digitais” desenvolvidas em cada comunidade.
Assim, cada grupo social — geográfico, etário ou outro — exige uma atenção específica para que seja identificado o “tipo de narrativa mais envolvente” e “a plataforma digital com maior audiência localmente”.
Em jeito de conclusão, Castilho refere que estão a ser desenvolvidas experiências em vários países sobre a sustentabilidade dos media que apontam para a necessidade de começar a desenvolver “um novo tipo de relacionamento dos jornalistas e activistas da informação com o público-alvo do projecto jornalístico”.
“A preocupação na formatação do tripé permitirá criar a solidariedade necessária para o surgimento de um ambiente de confiança mútua entre repórteres e as pessoas que pagarão pelas notícias, seja na forma de assinaturas, donativos, impostos ou prestação de serviços”, conclui o autor.
(Créditos da imagem: Thomas Schmidt (NetAction), via Wikimedia Commons)