“O jornalismo local é parte obrigatória numa eventual discussão sobre uma política pública de informação”, afirma, Carlos Castilho, a abrir o seu mais recente artigo publicado no Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém parceria.

“A afirmação pode parecer mais a expressão de um desejo do que de uma realidade, mas não é o caso”, continua o jornalista.

“Antes de tudo, é preciso fazer uma distinção: uma política pública de informação não é a mesma coisa que uma política pública de comunicação. A primeira está relacionada à identificação dos itens que afectam o fluxo de informações dentro de um grupo social. Já a política pública de comunicação tem a ver com a regulamentação das plataformas de disseminação de informação, sejam elas analógicas (jornais e TV, por exemplo) ou digitais (redes sociais e blogues, por exemplo)”, explica Castilho.

O autor considera que “o jornalismo local é peça fundamental numa política pública de informação porque ele tem uma função insubstituível no desenvolvimento de uma cultura de combate à desinformação, da qual fazem parte as fake news, as meias-verdades e omissões intencionais de dados. É no ambiente comunitário que as pessoas transformam as notícias recebidas, através dos meios de comunicação, em atitudes e opiniões”.

Na verdade, segundo o jornalista, “é na família, no trabalho, na escola ou na vizinhança que as notícias são associadas a preocupações individuais ou colectivas e incorporadas à rotina diária de cada pessoa. É conversando com parentes, amigos ou colegas que as pessoas vão absorvendo a informação de forma gradual, sem necessidade de grande esforço de reflexão”.

Portanto, “nestas condições, a realidade local acaba” por ter “um poder persuasivo muito mais eficiente do que os factos e eventos distantes disseminados pela imprensa nacional ou internacional”, afirma Castilho.

“O problema”, refere, é que em zonas, como “no interior do país, a diversidade de fontes informativas é muito menor do que nas capitais, o que torna as pessoas mais sujeitas à influência de notícias distorcidas ou fora de contexto”.

Segundo o autor, é essa a situação que “cria o ambiente favorável à disseminação das chamadas notícias falsas (fake news) no contexto local e hiperlocal (bairros ou associações), através de redes sociais na internet”.  Isto acontece porque o “jornalismo comunitário e municipal está em crise por conta de dificuldades financeiras e perda de leitores”, acrescenta.

No caso do Brasil, Castilho salienta que, “segundo o projecto Atlas da Notícia, cinco em cada dez municípios brasileiros constituem o que se convencionou chamar de “desertos informativos”, pois não têm qualquer jornal ou emissora de rádio local”.

Esta situação “funcionou como um alerta para os especialistas em informação pública e tomadores de decisões”, quer no Brasil, quer noutras partes do mundo.

“É neste contexto que os estudos e pesquisas sobre jornalismo comunitário, inclusive a variedade hiperlocal (jornalismo sobre bairros ou grupos étnicos minoritários), passaram a ganhar relevância como uma alternativa ao fecho de jornais regionais, e um esforço para atenuar o isolacionismo informativo nas pequenas e médias cidades”, explica.

Castilho considera, então, que “esta mudança no ambiente mediático, impõe a necessidade de uma política pública de informação voltada para a valorização das temáticas locais como forma de reconstruir o envolvimento das pessoas em questões comunitárias, seja pela reavaliação das agendas noticiosas municipais, seja pelo apoio a projectos jornalísticos” que envolvam e interajam com a população.

No entanto, diz o autor que, “uma política pública de informação envolve mudanças de valores sociais, um objectivo complexo, porque implica também o surgimento de novos comportamentos e regulamentos. Uma questão fundamental, por exemplo, é alterar a forma como as pessoas encaram a notícia. A percepção mais comum situa a notícia como um item de menor importância na rotina diária de cada indivíduo”.

No entanto, “exigir informação necessária para a solução dos problemas de uma comunidade, por exemplo, deveria ser uma atitude incorporada aos comportamentos sociais” e “a informação, na era digital, é cada vez mais um item de primeira necessidade, pois dele depende a tomada de decisões individuais e colectivas”, o que faz com que tenha “todas as condições para ganhar o estatuto legal de direito humano básico”, crê o jornalista.

Além disso, “outro item obrigatório na elaboração de uma política pública de informação é o desenvolvimento de uma postura crítica das pessoas diante de dados, factos, eventos e ideias novas”, diz, uma vez que “as pessoas confiam cada vez menos no que é publicado pelas grandes corporações da imprensa, porque a avalanche noticiosa na internet ampliou a diversidade de versões sobre um mesmo facto, ao mesmo tempo que o carácter comercial das empresas jornalísticas as levou a privilegiar os seus interesses corporativos sobre os dos leitores”, acrescenta.

Carlos Castilho considera, ainda, que as “organizações jornalísticas sem fins lucrativos, institutos universitários de pesquisa e associações comunitárias são protagonistas obrigatórios no desenvolvimento de políticas públicas de informação. Estas entidades representam segmentos sociais envolvidos na produção de informações locais e, portanto, com influência directa no ambiente em que as notícias são transformadas em opiniões e posicionamentos”.

Para o início de um debate nacional sobre a elaboração de uma política pública de informação, estes serão apenas alguns dos pontos básicos. “Muitos outros ainda precisam ser explorados e analisados em detalhe”, afirma o autor.