Onde se debate o conceito de “jornalismo de factos”
Num artigo de reflexão publicado no site do Nieman Lab, um professor universitário e um investigador na área dos média discutem o uso da expressão “jornalismo baseado em factos” ou “jornalismo de factos” (“fact-based journalism”, no original).
Os autores, que têm uma perspectiva bastante crítica, fazem uma análise do uso daquela expressão nos últimos anos e levantam hipóteses sobre os motivos do aumento de ocorrências. No final do texto, é proposta uma alternativa que, defendem, não põe em causa a credibilidade do sector dos média.
Para perceber quando o termo começou a ganhar mais proeminência, foi feita uma busca por aquelas palavras, entre 1990 e 2023, num banco de dados de mais de 12 mil fontes noticiosas (NewsBank).
Os resultados indicaram que o uso da expressão disparou em 2016, tendo atingido um novo máximo em 2021. Antes de 2010, surgem poucas ocorrências.
Os autores lembram que o primeiro pico corresponde ao início da presidência de Trump. Tendo este dado em conta, fizeram uma nova pesquisa, desta vez sobre o termo “fake news” (“notícias falsas”).
Os resultados mostram que a utilização de “jornalismo baseado em factos” escalou logo a seguir ao aumento do uso de “notícias falsas”.
“Embora correlação não garanta causalidade”, sublinham os autores, “o padrão sugere fortemente que o uso do termo [jornalismo baseado em factos] na indústria noticiosa pode ter sido uma resposta à prevalência das ‘notícias falsas’ no discurso político e mediático”.
No entanto, um outro motivo parece justificar o pico de 2021. Quando, naquele ano, o Prémio Nobel da Paz foi atribuído a dois jornalistas, Maria Ressa e Dmitry Muratov, o comité responsável pela atribuição do prémio usou as seguintes palavras na nota informativa: “jornalismo livre, independente e baseado em factos”. Ora, esta mensagem foi, entretanto, muitas vezes citada nas notícias.
Desde aí, a expressão parece ter-se mantido no léxico comum, talvez pela necessidade de distinguir o jornalismo feito por órgãos noticiosos legítimos, da crescente informação com origem em fontes que disseminam mensagens falsas.
Por outro lado, à medida que a noção de “objectividade” no jornalismo tem vindo a ser questionada e a ganhar uma conotação negativa, o “jornalismo baseado em factos” pode servir como alternativa para indicar rigor. Pode estar a funcionar como “forma de ‘rebranding’ do jornalismo”, sugerem os autores.
“No entanto, embora possa haver razões convincentes para acolher o termo, tal representa uma concessão prejudicial” para o sector. “Descrever uma forma de jornalismo como sendo baseada em factos é reconhecer tacitamente que existe uma forma de jornalismo que não é baseada em factos. E não há”. “Todo o jornalismo é baseado em factos. Se não é, então não é jornalismo”, concluem.
Na opinião dos autores, o uso daquela expressão “mina a noção básica de jornalismo e, dessa forma, desestabiliza as fundações da nossa democracia”, sendo importante “não ceder espaço linguístico àqueles que procuram obscurecer os parâmetros [do jornalismo]”.
Se a ideia é diferenciar o jornalismo dos discursos falsos, como alternativa, são deixadas duas opções no final do artigo: “jornalismo legítimo” ou “jornalismo autêntico”.
(Créditos da imagem: Bank Phrom no Unsplash)