Fernando González Urbaneja, presidente da Comissão de Arbitragem, Queixas e Deontologia do Jornalismo, em Espanha, deu, no ano passado, uma palestra sobre a ética no jornalismo, integrada no congresso “EnClave de Ética”.

Esta intervenção foi agora recuperada pelos Cuadernos de Periodistas, da Asociación de la Prensa de Madrid (APM), com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.

O jornalista começa por recorrer a uma imagem usada por Gabriel García Marquez: a ética deve acompanhar sempre o jornalista, tal como o zumbido acompanha a mosca. “Sem zumbido (ética) não voa a mosca (jornalista)”, resume.

Nesse sentido, o autor defende que “o futuro do jornalismo depende de se sujeitar, de se amarrar a princípios éticos para gerar credibilidade e respeito”.

Fernando González Urbaneja faz um diagnóstico pesado do estado actual do jornalismo, mas assume que não é pessimista e deixa algumas sugestões para a recuperação da credibilidade na profissão.

A crise da perda de confiança no jornalismo

Para o autor deste discurso, “uma boa parte dos cidadãos não acredita que os meios de comunicação lhes contem a verdade”.

O jornalista identifica algumas razões para este fenómeno, afirmando que, acima de tudo, a desconfiança é “gerada pelo afastamento dos padrões éticos”, muitas vezes motivado por “urgências” que advêm da “revolução tecnológica” e da “crise financeira”.

Também a aproximação entre jornalismo e política contribui para esta crise de credibilidade no sector. A relação entre as duas áreas tem levado a “uma falta de respeito” e à “criação de uma realidade paralela, alheada da consciência e dos interesses dos cidadãos”, considera o autor.

Além disso, o poder de instrumentalização do jornalismo por diversos actores sociais tem contribuído para que o imediato tenha “devorado o médio e longo prazo; o essencial”.

As transformações na indústria jornalística

Tal como referido anteriormente, muitos dos “sintomas” que o jornalismo apresenta têm que ver com “as mudanças tecnológicas, que alteraram o fluxo da informação”. Apesar de trazerem mais “amplitude e profundidade (o que é positivo)”, também inundam e banalizam o espaço da informação.

Antes “o fluxo de informação ia dos protagonistas até ao público, em geral, através dos meios de comunicação”; era “unidireccional e bastante simples”. Os jornalistas tinham “o monopólio” da informação.

Na era da Internet, esta “ordem” foi alterada e a informação circula “em rede, multiplicando emissores e receptores: a aldeia global”. Em poucos anos, as redes sociais “apropriaram-se do fluxo da informação”.

“São os novos meios, gigantes, independentes, globais, mas funcionam sem jornalistas e sem regras”, apropriando-se do trabalho de terceiros.

Para isso, contribuiu, em larga escala, a consagração da “imunidade das plataformas digitais” na Lei da Decência das Comunicações (Communications Decency Act), nos Estados Unidos, em 1996. Esta lei isenta as plataformas de responsabilidade pelos conteúdos publicados nas redes, pelo que aquelas não se preocupam se “os conteúdos são verdadeiros ou mentiras, se ajudam ou prejudicam, só lhes interessa crescer, captar atenção e audiências”.

Felizmente, começam a surgir medidas de regulação e a União Europeia tem dado passos nesse sentido, lembra o autor.

No artigo, é referido, ainda, o papel das plataformas tecnológicas nas quebras de receitas publicitárias nos meios tradicionais, culminando na falta de independência financeira — e, consequentemente, na falta de independência editorial.

Visão de futuro sem pessimismo

“Alguns dos presentes podem pensar que lhes fala outro dos pessimistas que abundam nestes tempos. Não o sou. Isto tem concerto. Existem oportunidades de melhoria se se construir uma consciência do problema e se enfrentar [o problema] com determinação”, afirma Fernando González Urbaneja.

Ao mesmo tempo, o autor assume que é “dos que crêem que o futuro do jornalismo depende da sua deontologia”.

Assim, partilha algumas das suas inspirações para pensar o futuro.

Num discurso de Barack Obama, há alguns anos, o presidente norte-americano comentou que, no contexto noticioso, a pergunta “O que se passou hoje?” foi substituída pela pergunta “Quem ganhou hoje?”. Desta forma, “o debate público degrada-se. A confiança do público perde-se. Não somos capazes de entender o nosso mundo, nem de nos entendermos uns aos outros como deveríamos”, acrescentou Obama na altura. É por esse motivo que o “jornalismo honesto, objectivo e meticuloso” se revela “tão importante para a nossa democracia e sociedade”, cita Fernando González Urbaneja.

Para que se recuperem estes valores, importa não perder de vista as regras da profissão, que o jornalista resume e comenta na sua palestra.

Mas “submetermo-nos a estas regras não é simples se o contexto não ajuda, se a sociedade não o exige, se a democracia não funciona. Se os editores não o assumem e se os jornalistas o esquecem”, afirma.

A deontologia “teria de ocupar um lugar central e visível no comportamento e definição do jornalismo”, defende, acrescentando que incluir o código deontológico “nos contratos e estatutos seria um passo decisivo para o renascimento do jornalismo profissional”.

Elevar os padrões éticos

“Hoje dispomos de uma panóplia de instrumentos para melhorar os padrões éticos do exercício profissional”, considera o autor, que apresenta, de seguida, algumas sugestões.

  • Os estatutos da redacção devem conter os “propósitos” do meio de comunicação social de forma explícita, e estes devem ser conhecidos e assumidos pelos jornalistas.
  • Os “defensores [provedores] do leitor” devem continuar a existir, pela função que cumprem de ligação entre o público e as redacções, e devem ser independentes e gozar de autonomia. “Significam compromisso, vontade de respeito pelas regras da profissão”.
  • “O jornalismo ganharia credibilidade se se esmerasse por ouvir os seus clientes, os cidadãos”, incluindo no que diz respeito às correcções sugeridas. “Mostra humildade e inteligência. Corrigir implica reconhecer os erros, o que é duro, mas fortalece”.
  • O jornalismo deve “recursar o que é supérfluo, vazio, e procurar o essencial”. É preciso “explicar mais o que acontece do que o que poderia acontecer”. “Se o fizéssemos, os políticos e os demais actores da actualidade informação ver-se-iam obrigados a ser mais exigentes consigo mesmos”.

Fernando González Urbaneja termina deixando pistas sobre como o público se deve relacionar com os jornalistas. Os cidadãos são “parte da sociedade civil activa, com realidades tangíveis e com problemas”, e podem “servir para estimular o zumbido da mosca que acompanha os jornalistas”.

(Créditos da imagem: vectorjuice no Freepik)