As más notícias continuam a vender e moldam a natureza sensacionalista dos telejornais

No jornalismo, as más notícias vendem e num artigo publicado no Niemanlab, Michael J. Socolow explora a ligação entre as notícias negativas e lucratividade na indústria jornalística, utilizando o assassinato de John F. Kennedy como um caso de estudo.
Socolow argumenta que, embora o serviço público fosse frequentemente destacado na cobertura do assassinato, as notícias trágicas atraíam grandes audiências, tornando-se uma fonte significativa de receitas publicitárias."If it bleeds, it leads" é um famoso slogan da indústria, que explica porque é que os crimes violentos, a guerra e o terrorismo e as catástrofes naturais são omnipresentes nos noticiários televisivos.
“O facto de os jornalistas e os seus empregadores ganharem dinheiro com acontecimentos preocupantes é algo que os investigadores raramente exploram. Mas mesmo que pareça desagradável, é importante compreender a ligação entre as notícias negativas e o lucro. Como historiador dos media, penso que o estudo deste tópico pode esclarecer as forças que moldam o jornalismo contemporâneo”, escreve.
O assassinato de John F. Kennedy, há 60 anos, é um caso de estudo. Depois de um homem armado ter morto o presidente, os noticiários televisivos ofereceram uma cobertura ininterrupta.
As emissoras de televisão interromperam anúncios, dedicando todo o tempo de antena à cobertura, alcançando uma audiência maciça. Apesar de aparentemente abdicarem de receitas publicitárias, essa estratégia consolidou a reputação dos noticiários televisivos como um serviço público. No entanto, o autor revela que, nos bastidores, as audiências tornaram-se extremamente lucrativas para as emissoras.
“Esta reputação – que pode parecer surpreendente hoje em dia, mas que era amplamente aceite na altura – obscureceu o facto de que os noticiários televisivos iriam em breve tornar-se extremamente lucrativos. Esses lucros devem-se, em parte, ao facto de as notícias horríveis atraírem grandes audiências – o que continua a ser o caso actualmente”, explica.
Pouco depois de Kennedy ter sido assassinado em Dallas, a 22 de novembro de 1963, as cadeias de televisão demonstraram a sua sensibilidade à tragédia, cancelando os anúncios publicitários e dedicando todo o seu tempo de antena à história durante vários dias.
O presidente da CBS, Frank Stanton, chamar-lhe-ia mais tarde "a história mais longa e ininterrupta da história da televisão". A certa altura, 93% de todas as televisões dos EUA estavam sintonizadas na cobertura.
As estimativas variam, mas a decisão das emissoras de renunciar aos anúncios pode ter custado até 19 milhões de dólares – 191 milhões hoje.
A expansão dos noticiários televisivos, combinada com a cobertura extensiva do assassinato, transformou o jornalismo televisivo na década de 1960 num género altamente rentável. As estações, embora alegassem sacrifícios em nome do serviço público, estavam, na realidade, a gerar consideráveis receitas publicitárias.
Apenas dois meses antes do assassinato de Kennedy as estações de televisão aumentaram os seus noticiários nocturnos para 30 minutos. Até então, tinham 15 minutos de duração, oferecendo pouco mais do que manchetes.
“Os noticiários alargados esgotaram imediatamente todas as suas oportunidades de publicidade, uma vez que os noticiários televisivos atraíam as previsíveis audiências diárias de massas que os patrocinadores desejavam”, justifica Socolow.
A cobertura do assassinato de Kennedy, combinada com a expansão dos noticiários, aumentou significativamente o valor comercial dos noticiários televisivos e o jornalismo televisivo tornou-se o género de programação mais lucrativo da televisão americana.
Na temporada televisiva de 1965-1966, The Huntley-Brinkley Report da NBC gerava 27 milhões de dólares em publicidade por ano, o que o tornava o programa mais lucrativo da rede – superando até "Bonanza", o principal programa de entretenimento.
“Por esta altura, as redes diziam aos reguladores que tinham sacrificado milhões de dólares pelo serviço público através do jornalismo” e diziam que “as divisões de notícias tinham motivos mais elevados do que simplesmente ganhar dinheiro”, contudo, segundo explica Socolow, estavam a ganhar muito mais dinheiro só que as estações de televisão não falavam dos seus lucros.
“Em vez disso, promoviam continuamente os seus esforços na cobertura da Guerra do Vietname, da agitação civil e dos assassinatos da década de 1960 como um serviço de interesse público. Também alegavam que a produção de notícias lhes custava milhões e escondiam as receitas publicitárias obtidas com a programação noticiosa noutros locais dos seus orçamentos empresariais. Isto dava-lhes uma vantagem em termos de privilégios regulamentares, como a renovação das licenças das estações”, refere o autor.
A década de 1960 lançou as bases para o jornalismo televisivo moderno, comercial e sensacionalista. A procura por histórias impactantes, como o “Watergate”, não apenas aumentou as audiências e as receitas de publicidade, mas também transformou os jornalistas de televisão em figuras públicas.
Socolow argumenta que, ao longo do tempo, a ênfase nos valores originais do jornalismo foi substituída por estratégias visando maximizar audiências e lucros.
Os valores originais que animavam o jornalismo de radiodifusão no seu início render-se-iam a formatos mais lucrativos. O “60 Minutos” acabou por se tornar o programa mais valioso da história da televisão americana e, na década de 1980, quase todas as estações locais tinham lançado o seu próprio grupo de investigação "I-Team".
Mesmo com mudanças nas métricas de avaliação, há algo que se mantém: as más notícias continuam a vender, moldando a natureza comercial e sensacionalista dos noticiários televisivos até os dias actuais.
“É um truísmo da indústria dos media, quer queiramos estudá-lo ou não, e os noticiários que vão para o ar hoje, 60 anos após os acontecimentos de novembro de 1963, provam-no”, conclui.