A importância das notícias pagas é o tema de uma longa reflexão de Juan Antonio Giner, jornalista espanhol e co-fundador do Innovation Media Consulting Group, num artigo publicado nos Cuadernos de Periodistas, da Asociación de la Prensa de Madrid, com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.

O autor alicerça a sua análise na evolução histórica do jornalismo, tomando como ponto de partida um relatório publicado em Setembro de 2023 pelo Reuters Institute, da Universidade de Oxford, intitulado Pagar pelas notícias: Consumidores sensíveis aos preços procuram valor durante crise económica (numa tradução livre).

A propósito deste documento, Juan Antonio Giner começa por discorrer sobre a sua experiência profissional em torno do tema da credibilidade dos inquéritos de opinião e “das medições de audiências dos meios de comunicação social”.

“Infelizmente, continua a haver ‘mentiras, grandes mentiras e sondagens de opinião’ sempre envoltas em metodologias presumivelmente científicas”, afirma o autor.

Embora crítico da forma como o estudo “muito ambicioso” do Reuters Institute recolhe e interpreta os dados, o jornalista admite que as dificuldades não são novas e que este “é um problema universal que agora se agrava com novos índices”, com o mercado digital e as redes sociais, que “abarcam âmbitos internacionais com audiências e mercados muito díspares”.

Retomando o tema do jornalismo pago, Juan Antonio Giner aponta mais uma crítica ao relatório, considerando que o seu título demonstra uma fragilidade: embora seja certo que as pessoas resistem a pagar pelas notícias, o jornalista não acredita que a “crise económica” seja a principal razão para isso.

Ainda assim, o autor admite que “os esforços do Reuters Institute são admiráveis” e que “uma leitura atenta, cautelosa e crítica pode dar muitas ideias a directores, gestores e responsáveis de marketing de empresas de média” que têm de enfrentar a lógica do “totalmente gratuito”, imposta como “novo modelo de negócio para a sobrevivência da imprensa na era digital”.

“Como sempre, ‘nada é novo’ e a história do jornalismo está repleta de episódios cíclicos e crises que se repetem século após século”, aponta Juan Antonio Giner, num momento em que mergulha numa viagem pela história do jornalismo.

“Antes de Gutenberg e das primeiras publicações impressas, as ‘notícias’ eram a matéria-prima de uma das indústrias mais prósperas do mundo medieval: a transmissão de ‘notícias’ relevantes através de correios, cavaleiros e cavalos que atravessavam a Europa de ponta a ponta”, conta o autor, recomendando a leitura do livro The invention of news, de Andrew Pettegree.

Os serviços destes cavaleiros “eram contratados pelas elites da época”, porque o valor das “notícias” era muito elevado, já que disso podiam depender, por exemplo, as compras das mercadorias comercializadas pela Europa. “Se um comerciante de Antuérpia, Bruges ou Burgos soubesse antes de toda a gente que a colheita do algodão no Egipto ou da seda na China tinha sido má, isso significava antecipar que a escassez e falta de abastecimento provocariam o aumento dos preços”.

Esta e outras descrições históricas da “rede medieval” de notícias são para Pettegree uma forma interessante de perceber que “a transição para o formato impresso se fez com estes antecedentes: ‘pagar pelas notícias’ (título do relatório do Reuters Institute) foi essencial para a viabilidade dos primeiros jornais”.

No entanto, o autor do artigo sublinha que esta tradição entrou “em crise com o aparecimento da imprensa partidária”, que deu prioridade à divulgação em massa dos panfletos políticos em detrimento da rentabilidade.

A desvalorização dos jornais, lembra o jornalista, foi reforçada pela rápida industrialização do sector, que levou a que a circulação passasse a contar com a impressão facilitada de centenas de milhares de exemplares.

“Quando a imprensa moderna e contemporânea se converte num negócio baseado em publicidade comercial, proliferam as manchetes e a circulação massiva”, diz o autor, lembrando que o vapor, a electricidade e as tecnologias digitais são tudo “etapas de uma mesma ‘economia de escala’”.

O primado da “quantidade” e das “audiências” trouxe-nos ao “abismo do totalmente gratuito e à cultura dos cliques e dos likes”, resume Juan Antonio Giner.

“Habituámos os leitores a não pagar pela informação”, o que promove uma “espiral diabólica de redacções cada vez mais fracas e mal pagas”, resultando em produtos jornalísticos de cada vez mais “baixa qualidade”.

Antecipando o futuro, o autor diz que “a continuar assim, nem sequer precisaremos de jornalistas de carne e osso, porque os robôs e a inteligência artificial automatizarão a geração desses conteúdos”.

Neste ponto, o jornalista retoma o relatório do Reuters Institute para dizer que, “apesar dos seus problemas metodológicos”, o documento “acerta na hora de reivindicar a necessidade de reverter esta espiral do totalmente gratuito”, produzindo e publicando  conteúdos de valor único, “histórias que inquietem, emocionem e façam pensar”.

“Dito isto, a realidade é incontestável”, diz Juan Antonio Giner, aproximando-se do final, “os únicos meios jornalísticos de qualidade rentáveis actualmente são aqueles que, tal como nas origens medievais desta indústria, dão prioridade ao valor dos conteúdos e ao pagamento a preços de mercado”, numa referência aos dez milhões de subscritores de assinaturas pagas do New York Times, entre outros exemplos.

Novos suportes tecnológicos irão surgir, plataformas de distribuição inovadoras, redes sociais ainda melhores, mas “uma vez mais, agora e sempre, o fim importa mais que os meios”, conclui o autor.

(Créditos da imagem: rawpixel.com no Freepik)