Onde as novas plataformas digitais defendem o “velho colonialismo informativo”
O verdadeiro negócio das redes sociais não são os serviços de envio e recepção de mensagens, partilha de informações e participação em fóruns que as plataformas disponibilizam aos seus utilizadores.
Na realidade, “tudo isto é matéria-prima para algoritmos que identificam tendências, preferências e perfis sociais que serão depois vendidos a terceiros ou usados pelas próprias plataformas para incrementar os seus negócios e também os seus lucros”, explica Carlos Castilho, no início de uma reflexão publicada recentemente no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
Empresas como a Meta (detentora do Facebook e do Instagram), X, TikTok e YouTube usam e processam “dados, factos, eventos e ideias obtidos gratuitamente dos seus utilizadores” para os venderem “por quantias milionárias” aos anunciantes online.
Por exemplo, só o Facebook e o Instagram tiveram lucros de 15,7 mil milhões de dólares (quase 15,1 mil milhões de euros) no terceiro trimestre deste ano, indica Carlos Castilho.
Voltando às origens…
As redes sociais surgiram no final do século XX. Eram, na altura, “estruturas sociais sem fins lucrativos, auto-governadas e centradas no diálogo livre, horizontal entre seus utilizadores”, lembra o autor do texto.
A primeira rede com alguma relevância global terá sido a WELL (Whole Earth Eletronic Link), lançada em 1985 na Califórnia. Seis anos mais tarde, em Amesterdão, nos Países Baixos, surgiu a Cidade Digital (De Digital Stad, no original), a primeira a prestar serviços e informações aos seus membros.
As actuais plataformas, embora tenham começado por ser criadas como redes sociais, acabaram por descobrir como “monetizar dados alheios”, a ponto de os seus proprietários acumularem “fortunas, prestígio político e uma enorme visibilidade pública”.
A relação entre a imprensa convencional e as redes sociais
Tendo em conta que parte do tráfego gerado nas redes sociais é potenciado pela partilha de artigos noticiosos, as organizações de media e alguns governos pedem às empresas tecnológicas que paguem pelo valor que é criado pelos conteúdos editoriais.
No entanto, “a guerra financeira entre plataformas e a imprensa é complicada”, porque envolve temas como a “produção de conhecimento na internet”, as “novas funções da informação em ambiente digital” e “o crescente protagonismo do público” nas plataformas, sublinha Carlos Castilho.
“Criou-se assim um paradoxo curioso”, considera o autor: “Temos uma tecnologia velha propondo algo novo e uma tecnologia nova defendendo algo velho”.
A tecnologia “ultrapassada” dos media em papel preconiza “uma nova relação entre produtores e consumidores de notícias”. E a nova tecnologia, das plataformas digitais, defende o “velho colonialismo informativo”, capturando bens alheios sem os remunerar, descreve o académico e jornalista.
Como o jornalismo pode ganhar com as redes de informação
Os jornalistas já não conseguem “dar conta do processamento, edição e disseminação” da massa de informações publicadas na internet. Todos os dias, são adicionados à web mais de 400 milhões de terabytes de dados, refere Carlos Castilho.
Nesse sentido, a prática do jornalismo profissional “torna inevitável” a participação de pessoas organizadas em comunidades e a sua colaboração na produção de informações — e “não de lucros, como nas plataformas digitais”.
Para que estas parcerias se desenvolvam com sucesso, o autor do texto antecipa cinco mudanças na cultura do sector dos media:
- “O jornalismo deixará de ser a actividade que sabe o que é bom para o público”;
- O jornalista terá de estabelecer numa nova forma de relacionamento com as pessoas, não só para identificar as suas “verdadeiras necessidades informativas”, mas também para conseguir ser “curador de notícias”;
- “A sustentabilidade do jornalismo dependerá da parceria, inclusive financeira, com o público e não dos anúncios”;
- A confiança entre os profissionais e o público é “indispensável”. Sem ela, as pessoas não tirarão dinheiro “do próprio bolso para pagar por notícias”;
- Finalmente, cabe ao jornalismo mostrar às pessoas por que motivo a informação é tão importante na era digital e como pode ser usada em benefício próprio.
(Créditos da imagem: Viktor Bystrov no Unsplash)