O ocaso do jornalismo local e os comportamentos políticos

A relação entre os desertos noticiosos e o comportamento político das populações é o tema em análise no mais recente artigo de Carlos Castilho, publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
O jornalista faz uma reflexão sobre o papel que o desaparecimento do jornalismo local pode estar a ter não só na geração de “apatia política, tolerância à corrupção e abstenção eleitoral”, mas nas consequências “ainda mais graves” de proliferação das ideias de extrema-direita.
O autor começa por recorrer a dados de investigações desenvolvidas na Alemanha. Por exemplo, num trabalho de mestrado em jornalismo, Maxim Flosser concluiu que existe “uma coincidência preocupante entre a redução no volume de informações locais fornecidas pela imprensa e o simultâneo aumento dos votos dados aos candidatos da AfD [Alternativa para a Alemanha]”, partido alemão de extrema-direita.
Os resultados de Flosser são essencialmente relativos a cidades situadas na antiga Alemanha Oriental, mas outros dados, neste caso no sul do país, na província de Baden-Württemberg, mostram que a AfD tinha o apoio de 9,2% da população na década, tendo passado para 19,3% em 2021.
Carlos Castilho lembra, ainda, que o apoio a este partido, que já é a segunda maior força política do país, poderá vir a aumentar, se tivermos em conta as estatísticas da Associação Federal Alemã de Editores Digitais e Editores de Jornais que alertam para o risco de 4400 pequenas e médias cidades do país se tornarem “desertos informativos” até 2025.
A tendência parece ser semelhante nos Estados Unidos, acrescenta Carlos Castilho, reportando-se a cidades onde o apoio a Trump tem vindo a crescer “apesar das denúncias e processos criminais em curso contra o candidato à reeleição pelo partido Republicano”.
No Brasil, o relatório de 2023 do projecto Atlas da Notícia refere que quase 30 milhões de brasileiros (13,8% da população) vivem em cidades “com menos de um órgão de imprensa voltado para a informação local” — apesar de tudo, este número representa uma redução de 9,3% em relação ao ano anterior.
“É um campo fértil para que o isolacionismo político e o negacionismo informativo alimentem tendências políticas antidemocráticas”, acredita o autor do artigo.
Nesse sentido, o jornalista defende que, além de ser preciso encontrar soluções para o fenómeno dos desertos noticiosos, é também necessário compreender porque é que o encerramento dos jornais tem esta influência “na formação de opiniões” das populações destas comunidades.
Uma das hipóteses que Carlos Castilho levanta é o espaço que se abre para a disseminação de “novas versões nem sempre confiáveis” dos acontecimentos, numa altura em que cada vez mais as pessoas partilham notícias entre si de forma livre e sem regras. Trata-se de um ambiente descentralizado e imprevisível, em que as informações sensacionalistas e que promovem ideias extremistas ganham relevância por terem mais visibilidade e atraírem mais a atenção das pessoas.
Neste contexto, segundo o autor, a extrema-direita encontra “terreno fértil para contestar as normas vigentes no sistema liberal democrático”, alimentando, principalmente através das redes sociais, conversas como o “terraplanismo, contestação das vacinas e a pregação místico-religiosa”, aumentanto, assim, a sua influência eleitoral.
Ao adoptar o “messianismo evangélico como um antídoto contra a pobreza e a frustração social”, estes grupos políticos captam o apoio das camadas mais pobres da população, mas também da “elite económica e militar” e dos “oportunistas”, que usam estas mensagens para obter cargos políticos.
Por tudo isto, Carlos Castilho acredita que o jornalismo local é crucial para a redução da “polarização político-ideológica”, sendo um problema que afecta não só os jornalistas, mas toda a sociedade.
(Créditos da imagem: vectorjuice no Freepik)