O jornalismo precisa das pessoas para sobreviver na era digital

“Hoje, produzir notícias deixou de ser uma exclusividade dos profissionais e das empresas jornalísticas, graças à avalanche informativa na internet e nas redes sociais. Os algoritmos, usando os recursos da inteligência artificial, tendem a tomar boa parte do espaço hoje ocupado pelos jornalistas na pesquisa e recombinação dos elementos que compõem uma notícia”, refere Carlos Castilho, no seu último artigo publicado no Observatório do Brasil, com o qual o CPI mantém parceria.
No entanto, “o jornalismo precisa das pessoas para sobreviver. Esta afirmação ganhou um novo significado na era digital, principalmente agora com a chegada da inteligência artificial (IA). Até agora, o cidadão comum era visto como um mero consumidor da commodity notícia, desenvolvida e disseminada por jornalistas e pela imprensa. As escolhas do público também serviam de parâmetro estatístico para medir o grau de aceitação, de popularidade e relevância das notícias”, afirma o jornalista.
Hoje, “caberá aos profissionais a insubstituível função de educar e orientar as pessoas sobre quais notícias, geradas com a ajuda da IA, podem ser consideradas confiáveis e relevantes para os integrantes de comunidades sociais”, considera.
O autor refere que na era analógica, o processo de montar uma reportagem, depois de “um trabalho de campo (observação da realidade)” e de “consulta a fontes (testemunhas e especialistas)”, ainda “dependia muito da capacidade intelectual do repórter ou editor, principalmente na hora de organizar os factos, eventos e valores incorporados a uma notícia textual, sonora ou visual”.
Agora, “na era digital, quase tudo o que dependia de acções mecânicas, logo, repetitivas”, está a ser “substituído pelos algoritmos” que procuram e processam milhões de “dados, factos e eventos na internet numa velocidade, diversidade e amplitude impossíveis de ser alcançados por qualquer ser humano, inclusive os génios”, afirma Castilho.
“Um algoritmo pode, por exemplo, usando dezenas de descrições de um evento, publicadas sob diversas formas na internet, recombinar partes de cada uma das observações e criar a sua própria descrição, sem que o repórter ou editor precise sair da sua cadeira. É claro que isto não substitui a riqueza de detalhes personalizados de um repórter qualificado, mas pode preencher perfeitamente as necessidades de um boletim de notícias da atualidade”, clarifica.
O autor diz que esta situação vai, provavelmente, “contribuir para o esvaziamento das redacções em programas tipo notícias 24 horas como Globo News e CNN”, pois “a rapidez e o baixo custo destas operações algorítmicas de produção massiva de notícias vai também alimentar novos negócios e, consequentemente, aumentar a concorrência, onde as preocupações éticas e o senso de responsabilidade informativa podem muitas vezes ser atropelados pela ânsia em arrebanhar audiências”, refere.
Mas, no entender de Castilho, “é aí que as pessoas voltam a ser importantes para o jornalismo. A sobrevivência de um projecto vai depender da sua capacidade de estabelecer interactividade com o seu público-alvo, ao ajudá-lo a identificar critérios de relevância e confiabilidade na selecção de notícias”. Portanto, o jornalista tem de “criar uma relação de confiança mútua com os moradores de uma comunidade”.
Se “na era analógica, a relação do jornalismo com o conjunto dos cidadãos sofreu o impacto da comercialização da notícia e da elitização da imprensa”, que acabou por se verificar “nas pautas jornalísticas, que passaram a reflectir o jogo do poder, com pouco ou nenhum interesse por parte do grande público”, diz Castilho, “quebrar este paradigma na era digital tornou-se uma estratégia de sobrevivência tanto para o jornalismo, integrado por profissionais assalariados ou não, como para as empresas jornalísticas que formam a instituição chamada imprensa”.
Agora, “a notícia está a deixar rapidamente de ser um produto financeiramente lucrativo para se transformar em género de primeira necessidade na vida de uma pessoa”, considera o autor.
“O público começa a perceber a importância vital da informação, mas enfrenta uma série de percalços, como desorientação, insegurança e desconfiança, em notícias geradas pela perturbadora combinação da avalanche informativa com a inteligência artificial”, acrescenta.
Segundo o autor, estes são, portanto, “dilemas que só podem ser superados por meio da integração entre público e jornalistas”, o que comprova que, mesmo na era digital, “o jornalismo precisa das pessoas para sobreviver”.