O confronto entre as “Big Techs” e a Grande Imprensa
A demonstração de poder da Meta, dona do Facebook, ao anunciar que deixará de pagar pelos conteúdos noticiosos australianos é um dos sinais da hegemonia das gigantes tecnológicas sobre as empresas de média. Esta é a visão de Carlos Castilho, que reflecte sobre as consequências deste confronto num artigo publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
A Meta informou, no início de Março, que não irá renovar o acordo, assinado em 2021, que determinava o pagamento de uma espécie de taxa pela publicação, no Facebook, de notícias de meios de comuncação australianos. A decisão implica a eliminação do “Facebook News”, uma secção da rede social onde são reproduzidas “literalmente notícias publicadas na imprensa australiana”, explica Carlos Castilho.
Para o jornalista, esta “é uma decisão que pode mudar o debate sobre a regulamentação das Big Techs”, definidas no texto como “grandes empresas de tecnologia que controlam 90% das plataformas digitais”.
Ao início, o acordo entre a dona do Facebook e o governo australiano pareceu uma conquista relativamente à regulação das plataformas digitais, “uma vitória dos conglomerados de imprensa e de um bom número de pequenos e médios empreendimentos jornalísticos no esforço de preservar a cobrança de direitos autorais pela reprodução de material noticioso”.
No entanto, a decisão agora anunciada mostra que as grandes tecnológicas podem “alterar regras segundo os seus interesses” e “continuam hegemónicas no controlo dos fluxos interpessoais de notícias na Internet”, considera Carlos Castilho.
O jornalista identifica, no seu artigo, uma série de questões e consequências associadas a este braço-de-ferro entre as tecnológicas e as empresas de média.
No caso australiano, o acordo directo entre as plataformas digitais e os conglomerados jornalísticos, especialmente o poderoso grupo News Corp, de Rupert Murdoch, foi sancionado pelo governo sem divulgação dos pormenores do acordo. Ora, essa predominância do interesse de um grupo de média tão forte, “que domina a imprensa do país e controla grandes jornais e redes de TV na Inglaterra e Estados Unidos”, impediu os orgãos locais e de menor dimensão de participar nas decisões, ficando agora à mercê das consequências do fim do acordo. “São numerosos os casos de pequenos projectos jornalísticos que dependem directamente dos pagamentos”, explica Carlos Castilho.
Também a cobrança de direitos de autor pelos conteúdos noticiosos “está no centro de uma grande polémica jurídica, económica, cultural e informativa”, uma vez que a passagem para o digital alterou a forma de salvaguardar os direitos sobre a propriedade intelectual. Como diz o autor no artigo, “na verdade, o que está realmente em jogo no confronto entre Big Techs e Grande Imprensa é o dinheiro”, numa luta entre a apropriação de conteúdos e a sobrevivência de um modelo de negócio que precisa de se reinventar.
No entanto, o jornalista considera que “a grande imprensa ignora o maior ponto fraco das Big Techs” quando centra a sua luta numa regulação “focada no pagamento de direitos de autoria na reprodução de material” noticioso. Esse “é um tema secundário” para as tecnológicas, porque as notícias continuam a ser partilhadas pelos utilizadores.
Mais importante que isso é o grande poder económico que vem da apropriação dos dados pessoais partilhados pelos utilizadores nas redes sociais e nos motores de busca. “Estes dados são posteriormente processados e analisados por algoritmos das grandes empresas de tecnologia para apoiar estratégias de venda de espaços publicitários na internet, o negócio mais lucrativo na economia mundial atualmente”, explica Carlos Castilho. A concentração desta informação nas mãos das grandes empresas rendeu, em valores líquidos, quase um bilião de dólares no ano passado à Alphabet (dona do Google e Youtube), Amazon e Meta, continua o autor.
Dado o previsível crescimento do controlo por partes das grandes empresas de tecnologia, torna-se “obrigatório o debate sobre a criação de um imposto social sobre a facturação das Big Techs”, afirma Carlos Castilho. “É uma forma de redistribuir para toda a sociedade o lucro que as plataformas obtêm com dados alheios” e de “evitarmos o surgimento de uma ‘corporocracia’”, isto é, deixar cair nas mãos das corporações o poder político e económico dos países.
Como diz o autor, esta “será uma longa e complexa discussão cujo desfecho é imprevisível”.
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