Onde se defende que jornalistas devem adoptar narrativa para atrair leitores
Num artigo publicado no Observatório de Imprensa – com o qual o CPI mantém um acordo de parceria –, Carlos Castilho visa uma série investigativa britânica, "Mr. Bates vs the Post Office", que sugere que há “saídas para o jornalismo em grandes empresas de comunicação, desde que elas abandonem o falido modelo de noticiário centrado na agenda da classe política”.
A série aborda um erro judicial ocorrido há 25 anos, envolvendo o software Horizon, desenvolvido pela empresa Fujitsu e usado pela estatal Post Office no Reino Unido. O bug no software levou a acusações injustas e a justiça processou centenas de pequenos empresários por apropriação indevida de dinheiro público
“O software Horizon, desenvolvido pela empresa Fujitsu, apresentou um bug (defeito) que adulterava a contabilidade de centenas de pequenas empresas terceirizadas do correio inglês, apontando saldos negativos não confirmados pelas contas da maioria esmagadora dos franqueados. Como a Fujitsu garantia a correcção do software e como os terceirizados não podiam provar que o erro era do programa, a justiça processou centenas de pequenos empresários, acusados de apropriação indébita de dinheiro público”, escreve Castilho.
Os problemas do Horizon foram identificados só muito depois e várias condenações foram revistas. Contudo, o caso era visto como uma excepção, mas a série veio obrigar o governo e a justiça a assumirem responsabilidades.
O autor enfatiza a importância da narrativa da série, combinando jornalismo de investigação, drama e o apoio a uma causa específica.
“A combinação de jornalismo investigativo, com emoções humanas e um formato narrativo em quatro episódios mostrou como é possível manter a atenção do público numa história complexa durante vários dias sem cair na mesmice das telenovelas ou no inevitável cansaço de um documentário longo”, salienta.
O sucesso da série levanta questões sobre o modelo tradicional de abordagem da realidade pela imprensa, que está a perder audiência, especialmente entre os mais jovens e as mulheres que migram para as redes sociais. O autor sugere que a exaustão do estilo jornalístico tradicional abre oportunidades para inovações nos formatos de notícias, evitando a burocratização e padronização das narrativas.
Castilho destaca a necessidade de os meios de comunicação abandonarem a agenda centrada na classe política e económica por um foco na realidade das pessoas, o que implica uma mudança na postura em relação à objectividade noticiosa, argumentando que a empatia do público está relacionada ao envolvimento dos jornalistas e narradores com as causas tratadas nas notícias.
“A empatia do público está directamente relacionada ao envolvimento de jornalistas e narradores com o tipo de causa tratada no material noticioso”, defende.
“A história contada nos quatro episódios da série sobre o escândalo do software Horizon se preocupou mais em tentar levar os espectadores a se sentirem parte do drama vivido por quem foi injustamente punido do que exibir uma fria objetividade narrativa”, refere Castilho.
O autor conclui que a combinação de plataformas, exemplificada pela série, oferece à grande imprensa uma oportunidade única para inovar e encontrar um novo nicho de produção de conteúdos noticiosos, mas isso requer uma mudança fundamental na relação com o jornalismo e uma abordagem mais envolvente e empática.