Jornalista premiada e a prevenção do “burnout” nas redacções
Numa entrevista com a jornalista Mar Cabra, o Reuters Institute procurou entender o que é o burnout e como se pode prevenir este fenómeno no contexto das redacções. A entrevistada deixou sugestões para jornalistas, editores e empresas de média.
Mar Cabra foi editora de dados no Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla original). Em 2017, juntamente com a sua equipa, ganhou um prémio Pulitzer pelo trabalho nos Panama Papers. Foi também nessa altura que percebeu que algo não estava bem.
“Estava no momento alto da minha carreira, no entanto sentia-me miserável. Sentia-me exausta física e emocionalmente. Percebi que já não gostava do meu trabalho”, conta a jornalista, explicando que acabou por ser diagnosticada com burnout.
O burnout é o esgotamento por motivos profissionais, “causado por níveis de stress excessivos, acumulados durante um longo período de tempo”, explica a jornalista.
Mar Cabra decidiu parar e acabou por deixar a prática jornalística. “Demorei muito tempo a recuperar”, partilha.
No entanto, continuou a trabalhar em prol do jornalismo. “A dada altura, percebi que podia transformar esta experiência difícil numa aprendizagem para mim e para os outros”.
Em 2020, fundou, com outras pessoas, a organização The Self-Investigation, cuja missão é promover formas mais saudáveis de trabalho nas redacções.
Sabendo que os prazos apertados e a pressão são inevitáveis no trabalho jornalístico, é preciso que jornalistas, editores e empresas criem mecanismos para evitar que os profissionais cheguem à exaustão.
“Os jornalistas são como atletas de corrida. Às vezes fazemos sprints, como quando surgem notícias de última hora. Outras vezes, corremos a maratona, como quando mergulhamos em longas investigações. Em qualquer um dos casos, os atletas descansam no fim”, compara Mar Cabra.
Os jornalistas precisam de fazer o mesmo. É preciso “incorporar intencionalmente momentos de descanso”, tanto no final das “corridas”, como em pequenas doses todos os dias. “Os jornalistas devem criar tempos para fazer coisas que acalmem o seu sistema nervoso, como breves caminhadas”, exemplifica.
Já os editores, enquanto gestores de equipa, têm uma “grande responsabilidade” no bem-estar dos jornalistas que trabalham com eles. “Alguns estudos mostram que os gestores de equipa têm tanto impacto na saúde mental de uma pessoa quanto os cônjuges”, refere Mar Cabra.
Nesse sentido, há estratégias que se podem adoptar para garantir uma cultura de trabalho saudável, sem pôr em causa a produtividade. Por exemplo, os editores devem estar atentos às mudanças de comportamento estranhas, perda de motivação, reacções bruscas dos elementos da sua equipa. A literacia em saúde mental é essencial, defende Mar Cabra.
Uma outra estratégia é a definição de regras para as comunicações entre a equipa — canais de conversa, horários, casos de emergência, etc. — para evitar que os profissionais estejam sempre ligados ao trabalho.
Mas os editores também não se podem esquecer de cuidar da sua própria saúde mental, lembra a jornalista. Entre as constantes solicitações da chefia e dos elementos da equipa, os editores têm dificuldade em parar.
Finalmente, “é essencial lembrar que o burnout não é uma questão individual” ou de falta de capacidade dos trabalhadores para gerir o stress, refere Mar Cabra, sublinhando que todas as organizações têm o dever de cuidar dos seus trabalhadores.
É preciso tomar medidas preventivas, como formação adequada em saúde mental, porque evitar as situações em que “não se faz nada até que é tarde de mais”.
Mar Cabra deixa o alerta: “É preciso começar a criar uma cultura saudável do que significa ser jornalista”. Para isso, todos são responsáveis, “jornalistas, editores, empresas de média, e a indústria como um todo”, conclui.
(Créditos da fotografia: espaciomerafotografia, CC BY 2.0, via Wikimedia Commons)