Não será novidade que os meios de comunicação fora do jornalismo “dedicam particular atenção aos temas violentos, seja no cinema, em séries e novelas televisivas, em livros e outros formatos” e que nos últimos tempos “a violência se tornou o assunto da moda e um género próprio (true crime) nos canais de streaming, de redes sociais e de podcast”, conforme assinala o jornalista e professor Allysson Martins, num artigo publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o CPI mantém parceria.

No entanto, tal facto não retira ou diminui a responsabilidade do jornalismo nesta matéria, considera o autor.

Se por um lado, a “visão ingénua” sobre a “objectividade, imparcialidade e neutralidade” na forma como é relatada uma notícia, é uma ideia “ultrapassada (…), para não dizer, impossível de ser alcançada”, por outro lado, “a certeza de que o jornalista não consegue despir-se da sua subjectividade para produzir, quotidianamente, informação baseada em factos, não diminui a sua responsabilidade em relação ao conteúdo que produz”, considera o professor.

Na verdade, o jornalista deve estar atento e ter a noção de que o que “catalisa dessas ocorrências”, vem do “seu entendimento prévio, da empresa onde trabalha e da sociedade onde vive” e que as interpretações da realidade que compõe vão ser “partilhadas e debatidas” por um grande número de pessoas. Ao ter “esse aspecto em vista, o jornalismo adquire mais responsabilidade social, pois não se trata de um produto a ser consumido de uma forma qualquer, uma vez que interfere na sociedade e na vida de muitos indivíduos, directa ou indirectamente relacionados aos factos aos quais os profissionais se debruçam”, explica o autor. 

“A cobertura jornalística adquire, portanto, importância na forma como as pessoas vão encarar e reagir aos factos apresentados” e “os casos de acontecimentos violentos ganharam particular relevância, não apenas com programas policiais” a tornarem-se “parceiros quotidianos do público, mas com o tema irrompendo em todos os veículos diários de informação”, refere Allysson Martins.

Na opinião do jornalista, “a forma como os meios de comunicação, e o jornalismo, abordam esses acontecimentos violentos pode levar a uma exaltação e admiração – nomeada por vezes de «santificação», numa perspectiva mais messiânica – aos perpetradores da violência”.

O professor fala, para além de casos mediáticos sobre violência no Brasil, do caso de Jeffrey Dahmer, um assassino em série americano, conhecido pelos seus actos de violação, necrofilia, ou canibalismo sobre as suas vítimas. “Esses e outros casos, quando não abordados de uma maneira adequada, sobretudo fora do jornalismo, extrapolam a curiosidade e alimentam um fetiche do público por essas figuras”. Neste caso, Dahmer começou a ganhar a empatia do público dos EUA, a certa altura, e a sua imagem serviu, inclusive, para máscaras a utilizar em festas, segundo Martins.

“Mas um tipo específico de acontecimento violento tem pautado a imprensa nos últimos meses, o de crimes na escola, principalmente através de assassinato em massa, ou tiroteio em massa”, relata o autor.

No Brasil, no espaço de 8 meses, foram feitos 9 ataques a escolas, “uma média de mais de um atentado por mês em instituições de ensino”, refere Martins.

Assim, “a responsabilidade social do jornalismo nesses casos torna-se mais primordial com a possibilidade de um «efeito contágio», que é um estímulo, quando o assunto é tratado de forma indevida, para outros potenciais criminosos, que realizam até três ataques subsequentes ao primeiro” nas semanas seguintes, acrescenta o autor.

“Nesses casos, o jornalista não pode apenas catalisar o sentimento momentâneo de forma precipitada, mas trabalhar com as informações de modo adequado, engendrando melhor as reacções”, considera o professor.

No Brasil houve uma alteração na forma como a Globo e a Bandeirantes abordaram as notícias acerca destes ataques a instituições de ensino. O autor refere-se ao facto de ambas as empresas terem comunicado que a partir do dia 5 de abril, a sua política quanto à comunicação de notícias, naquele âmbito, passaria a ser “mais restritiva” e “o nome e a imagem de autores de ataques jamais” vão ser “publicados”.

“Se anteriormente o nome e a imagem dos perpetradores desses crimes eram divulgados no início do ocorrido, ou quando relevantes, a partir de agora, eles não” irão conseguir essa exposição. “A intenção é evitar a exaltação dessas figuras nos seus grupos e o estímulo de novos ataques, uma vez que esse é o seu objectivo e que não haveria vergonha ou contenção de actos com a publicação dessas informações. Por outras palavras, o jornalismo actualiza-se para tentar conter um problema que poderia criar, o de “efeito contágio”, explica Martins.

Por fim, o professor de jornalismo, vem acrescentar algumas orientações e recomendações já feitas, como indica, pela jornalista Marta Avancini da Jeduca, da Associação de Jornalistas de Educação do Brasil, relativamente ao tratamento das notícias sobre violência em geral. São elas:

  1. Respeitar as vítimas, a sua imagem e memória, e os seus familiares – a não exposição da imagem da vítima evita uma violência mediática;
  2. Não trazer, inicialmente, a história de vida dos agressores, mas das vítimas – os criminosos serão mais valorizados, além de poder causar admiração e absolvição;
  3. Não identificar os agressores com nome e imagem – caso necessário, fazê-lo apenas uma vez, no primeiro momento, evitando a exposição que ele ou seu grupo gostariam de ter;
  4. Não descrever e detalhar os métodos utilizados – semelhante ao que já acontece, sobretudo, em casos de suicídio;
  5. Não repetir as imagens dos ataques – a intenção é não estimular outros potenciais criminosos e evitar uma espectacularização e exploração do crime;
  6. Evitar conclusões apressadas – isto pode fugir a preconceitos, devido a alguns padrões relacionados ao crime (e evita procurar culpados e causas únicas);
  7. Observar, com cuidado, as informações das redes sociais – a desinformação é produzida e circula mais facilmente na internet, com produções que podem, até, ter o intuito de brincar com algum amigo, sobretudo no caso de jovens;
  8. Sugerir pautas propositivas – o objectivo é evitar estigmas, não apenas à escola, um ambiente de aprendizagem, convivência e cultura, mas também aos demais grupos envolvidos;
  9. Apresentar a realidade sem alarde e espectacularização – o jornalista não deve causar pânico ou mesmo estimular violência, ou agressões, e deve fazê-lo sem sensacionalismo.