Os 80 anos do jornal “Le Monde” e a revolução digital
“Isto não vai funcionar”. Estávamos em Dezembro de 1944, decorria ainda a Segunda Guerra Mundial, e as palavras eram ditas pelo fundador do Le Monde, Hubert Beuve-Méry, reflexo da preocupação, “cepticismo” e até “um pouco de superstição” na véspera do lançamento do jornal.
Passaram 80 anos e, no editorial de lançamento da comemoração da efeméride, o actual director, Jérôme Fenoglio, faz uma viagem desde a impressão do primeiro número até aos temas e princípios que ainda hoje o jornal escolhe não deixar cair.
Tudo começou no dia 18 de Dezembro de 1944, com uma grande folha de papel, impressa em frente e verso, produzida por menos de 40 jornalistas.
Actualmente, o Le Monde conta com mais de 540 jornalistas, edição em papel e digital, aplicações móveis e redes sociais, podcasts e edições especiais, edições em francês e em inglês, mais de 600 mil assinantes, e “um número bem mais alargado de leitores em todo o mundo”, enumera Jérôme Fenoglio.
Mas “a magnitude deste crescimento” não significa que os medos do fundador fossem inteiramente injustificados.
“Ao longo da nossa história, passámos por crises frequentes e inúmeros perigos, e fizemos mudanças dolorosas para salvaguardar a total independência editorial do nosso jornal e manter a sua posição como o principal diário generalista nacional”, lembra o director. Um desses momentos difíceis foi quando, em 2010, os jornalistas deixaram de ser accionistas maioritários do jornal pela primeira vez desde a sua fundação. Nessa altura, a redacção tomou medidas e negociou com os novos proprietários para garantir que a independência editorial não seria posta em causa.
Tal como a restante indústria mediática, também o diário francês passou pelas “previsões sombrias” do fim dos jornais em papel. Mas “a revolução digital não enterrou o Le Monde, salvou-o”, afirma Jérôme Fenoglio.
“Estes desenvolvimentos podem ter transformado a nossa estrutura e os métodos de trabalho, mas não nos alteraram de forma profunda”, continua. “Os nossos valores permanecem inalterados e a nossa resposta às convulsões em todo o mundo permanece consistente” com os princípios estabelecidos pelo fundador, Hubert Beuve-Méry.
No editorial, Jérôme Fenoglio posiciona o jornal relativamente aos temas mais marcantes da actualidade, especialmente na geopolítica: “Temos reiterado a nossa crítica ao imperialismo russo, de Estaline a Putin; a uma China emergente; aos impasses no conflito israelo-palestiniano; e às divisões nos Estados Unidos”. O director também valoriza as escolhas em relação ao ambiente: “A nossa cobertura global da catástrofe climática tem vindo a ganhar cada vez mais prioridade editorial”.
Para marcar a visão do jornal, mas também para abrir o diálogo às críticas que tantas vezes recebe, o Le Monde vai publicar, durante 2024, vários artigos dedicados à forma como o diário tem lidado com vários assuntos ao longo dos seus 80 anos de vida.
O primeiro desses artigos foi publicado no dia 8 de Março e é dedicado à igualdade de género: “Le Monde e as mulheres: Do direito de voto ao #MeToo”. O artigo inclui destaques de notícias de edições antigas, bem como fotografias da equipa na redacção. Estão ainda planeados artigos sobre temas tão diversos quanto os presidentes da 5.ª República (Abril), o cinema francês (Maio), a Europa (Junho), a educação (Setembro) e as eleições norte-americanas (Outubro).
(Créditos da fotografia: Arthur Weidmann, Wikimedia Commons, CC BY-SA 4.0 https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0)