IA sem controlo pode ameaçar liberdade de imprensa
Os sistemas de IA generativa actuam como "papagaios estocásticos", segundo Mike Ananny e Jake Karr, justificando que estes sistemas recorrem a modelos estatísticos para adivinhar a ordem das palavras e a colocação dos pixels, algo que consideram “incompatível com uma imprensa livre que controla as suas próprias palavras”.
Para os autores do artigo publicado no NiemanLab, a “IA generativa representa a maior ameaça à liberdade de imprensa em décadas, e os jornalistas devem agir rapidamente para se organizar e remodelar radicalmente o seu poder de produzir notícias”.
Os autores destacam que “a indústria das notícias há muito que é fustigada por desafios económicos e tecnológicos fora do seu controlo” e referem que, desde as primeiras inovações para os dispositivos móveis até às preocupações mais recentes com as classificações dos motores de busca, algoritmos das redes sociais, análise de audiências, financiamento tecnológico, as organizações noticiosas têm tentado adaptar-se a ecossistemas de informação em rápida evolução, seguindo o poder e o dinheiro das novas tecnologias.
Ao mesmo tempo, os media tentam alinhar esta evolução com os valores notícia e selecção editorial.
O aparecimento da GenAI volta a ameaçar revolucionar todos sectores – não só o jornalismo, como se tem visto actualmente os actores e escritores de Hollywood estão lutar por formas de se protegerem contra os estúdios que pretendem utilizar a GenAI para criar guiões, reproduzir a imagem dos actores e gerar filmes sinteticamente.
E como é que o jornalismo pode aproveitar o poder da GenAI?
Segundo os autores, há todo um mundo para explorar, desde “títulos, histórias, imagens, vídeos, podcasts, personalidades e até entrevistas através de tecnologias prontas a usar que, até há pouco tempo, eram apenas protótipos da indústria e laboratórios de informática”.
Depois de desenvolverem capacidades nos últimos anos para testar títulos e analisar dados de audiência, bem como rotinas de verificação de factos, agora, os jornalistas começam a experimentar rapidamente ferramentas de linguagem como ChatGPT, Bard, DALLE, Jasper.ai, o protótipo Genesis da Google e outros concorrentes.
A NewsCorp, por exemplo, utiliza o GenAI para criar cerca de três mil notícias locais australianas por semana. O Planet Money da NPR utilizou o GenAI para criar o guião de um episódio com vozes clonadas.
No início deste verão, a Google lançou até um "ajudante" da GenAI que, segundo a empresa, poderia gerar notícias.
Os autores consideram, perante todas estas evoluções, que “parece provável que a GenAI se enraíze na indústria das notícias, aprofundando ainda mais a dependência da imprensa das empresas tecnológicas, das suas infraestruturas de dados e de modelos de aprendizagem automática muitas vezes inescrutáveis”.
“Em breve, as organizações noticiosas poderão subcontratar às empresas tecnológicas não só o poder e a responsabilidade de divulgar e selecionar as notícias, mas também de as criar”, defendem.
Este poder vai ao cerne do serviço público do jornalismo: pois o uso da GenAI na imprensa ameaça a autonomia e a capacidade dos jornalistas de usarem a linguagem de maneira artística e intencional para criar e debater as verdades fundamentais que ancoram as realidades sociais partilhadas, além de implicar – na maioria dos casos – um juízo noticioso autorreflexivo.
Além disso, GenAI não se compromete com a verdade, a eloquência ou o interesse público, pois a geração de conteúdo é baseada em estatísticas e padrões identificados em grandes conjuntos de dados (muitas vezes não examinados).
Os autores defendem assim que as notícias não são "conteúdo", os leitores não são "utilizadores", as histórias não são "sínteses" e que “uma imprensa verdadeiramente livre controla a sua linguagem do princípio ao fim”.
“O jornalismo que utiliza os grandes modelos linguísticos e os padrões estatísticos da GenAI da Big Tech corre o risco de não ser apenas tendencioso ou aborrecido. Esse tipo de jornalismo é potencialmente anátema para uma imprensa livre, porque abdica da autonomia - para não falar da alegria estética – que advém do facto de se saber porquê e como usar a linguagem”, defendem.
Para os autores, a “ideia de que o GenAI é apenas a mais recente ferramenta tecnológica que os jornalistas e as organizações noticiosas podem utilizar de forma responsável ignora o facto de aumentar drasticamente a dependência da indústria em relação às empresas tecnológicas”.
Por isso, no artigo, referem que há duas formas de os jornalistas poderem utilizar a GenAI para defender a liberdade de imprensa.
Os jornalistas devem unir forças para defender seus interesses e influenciar o desenvolvimento da GenAI, o que pode incluir negociar uma compensação justa por parte das empresas que usam notícias para treinar modelos de IA. Além disso, os sindicatos das redacções podem tentar negociar proteções para os trabalhadores perante as mudanças provocadas pela IA.
Contudo, os jornalistas vão ter de olhar além das preocupações com os direitos de autor e o trabalho automatizado e vão ter de se questionar de que forma a dependência de sistemas controlados por empresas de tecnologia vai afetar a sua capacidade de produzir notícias independentes. Além disso, devem examinar a política por trás dos conjuntos de dados e modelos GenAI e entender como esses sistemas podem afetar a privacidade e a precisão das notícias.
Devem também questionar-se se tal é compatível com uma imprensa livre e como é que as suas obrigações enquanto funcionários de um serviço público, com direitos constitucionalmente protegidos, se coadunam com a sua vontade de utilizar ideias, títulos, cabeçalhos, frases, edições, imagens criadas por sistemas computacionais irresponsáveis, controlados por privados.
Os jornalistas têm de “usar a sua voz colectiva para alterar a infraestrutura do GenAI”, o que significa “criticar, refazer e rejeitar os sistemas GenAI quando os jornalistas os consideram inadequados para o trabalho noticioso”.
Os autores salientam que os resultados do GenAI têm um vasto oceano de dados com histórias e políticas que o tornam tudo “menos neutro ou objetivo”.
Os jornalistas precisam examinar os conjuntos de dados, as categorias, os pressupostos, as taxas de insucesso, as culturas de engenharia e os imperativos económicos que impulsionam os sistemas GenAI e têm de fazer perguntas difíceis sobre a forma como o GenAI pode revelar dados confidenciais, colocar as fontes em risco e confundir de forma prejudicial notícias cuidadosamente elaboradas com outros tipos de "dados" ou "conteúdos".
Em última análise, a imprensa precisa se unir para garantir que a GenAI não compromete a sua missão de informar e servir o público de forma ética e responsável. Se não agirem, correm o risco de perder sua independência e comprometerem a liberdade de imprensa.