Falta pensamento crítico na cobertura da inteligência artificial
Num artigo de opinião sobre a cobertura jornalística dos assuntos relacionados com a inteligência artificial (IA), Rasmus Nielsen, director do Reuters Institute, aponta o dedo ao tratamento acrítico do tema, estando este demasiado preso à visão da indústria.
O jornalista recorre a vários especialistas e estudos académicos para fundamentar a sua reflexão.
Nielsen começa por citar um professor de IA da Hope University, em Liverpool, que daria uma nota de 2 em 10 à cobertura mediática da IA: “Quando os órgãos de comunicação social falam da IA, pensam nesta como uma entidade única. Não é. O que eu gostaria era de ver uma cobertura mais diversificada”.
Esta é também a perspectiva da investigadora Nirit Weiss-Blatt, cujo trabalho fala sobre a tendência que o jornalismo tem para trazer para primeiro plano as afirmações catastrofistas sobre um possível risco de extinção provocado pela IA no futuro, negligenciando a cobertura de “problemas actuais do mundo real”, que vão desde “a discriminação e as desigualdades até ao impacto ambiental provocado pelo consumo de energia e de água destas tecnologias”.
Por outro lado, vários estudos sugerem que, de forma geral, as notícias sobre a IA são muito influencidas pela própria indústria e, ao contrário da percepção que se possa ter, assumem uma abordagem positiva — “até acrítica”, diz o autor do artigo.
Por exemplo, em 2018, um relatório sobre o contexto britânico, indicava que quase 60% das notícias sobre IA estavam associadas a produtos, iniciativas e anúncios do sector, e que 33% das únicas fontes identificadas estavam ligadas à indústria.
No Canadá, uma equipa de investigadores chegou a conclusões semelhantes, acrescentando que a cobertura da IA é feita mais do ponto de vista dos negócios do que da ciência ou da tecnologia.
Embora muitos destes estudos sejam anteriores à explosão de notícias dos últimos anos sobre a IA generativa, os padrões parecem manter-se.
Em 2023, Saba Rebecca Brausa e outros investigadores fizeram uma revisão sistemática de 30 artigos científicos sobre a representação mediática da IA e perceberam que tem havido um forte aumento de notícias sobre este assunto e que é transmitida uma “avaliação tendencialmente positiva” e um “enquadramento económico” destas tecnologias.
Rasmus Nielsen está consciente de que sempre haverá tanto “muito bons repórteres a ajudar as pessoas a entender a IA” como “coberturas sensacionalistas dedicadas a ‘robôs assassinos’”.
Mas, “mais do que tudo”, diz em jeito de conclusão, o que estamos a perceber é que a cobertura da IA tende a aceitar as declarações da indústria sem as questionar, repetindo acriticamente as mensagens transmitidas, de tal forma, que o jornalismo está a contribuir para o aumento do “hype” em torno destas tecnologias.