Os desafios para o jornalismo na sua relação com as “Big Techs”

Numa reflexão sobre “os dilemas do jornalismo diante das Big Techs”, Carlos Castilho chama a atenção para dois temas que considera centrais: a divergência comercial e financeira entre imprensa e gigantes tecnológicas, e o papel dos jornalistas na produção de notícias num mundo altamente condicionado pelos espaços virtuais.
No seu artigo publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria, o jornalista começa por lembrar que está em curso uma “politização” e “judicialização do debate sobre a regulamentação das redes sociais”.
O tema surge na sequência da polémica entre Elon Musk, dono da rede social X, e o ministro brasileiro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal de Justiça, em que Musk acusa o juiz de pôr em causa a liberdade de expressão ao exigir o bloqueio de algumas contas e publicações na rede social.
Uma vez que esta crise e a questão da regulamentação das redes são assuntos demasiado densos para ser analisados “num único texto”, Carlos Castilho decide concentrar a sua atenção nas questões que, na sua opinião, “a curto e longo prazo definirão o relacionamento entre imprensa e redes sociais”.
Para o jornalista, as empresas de média, incluindo os jornais brasileiros, têm transmitido ao público “a ideia de que há um antagonismo editorial entre a imprensa e as redes sociais”, dando a sensação de que o problema está nas “notícias falsas, um tema que a maioria das pessoas já conhece e condena”.
No entanto, a verdade “é que a divergência é essencialmente financeira e comercial” e decorre da “migração de anunciantes e de público” dos jornais para a Internet. Trata-se de um braço-de-ferro entre um sector “em franco declínio devido a inovações tecnológicas revolucionárias” na indústria da comunicação e as gigantes tecnológicas, “uma nova elite corporativa” que acumula lucros “ao explorar a ausência de regras num espaço virtual em frenética evolução”.
Estas divergências são especialmente complexas, porque envolvem questões de direitos de autor, com a imprensa tradicional a acusar “as grandes plataformas digitais, mais conhecidas como Big Techs (Microsoft, Alphabet, Meta, Apple e X)”, de não pagarem direitos pela “republicação de textos e imagens produzidos por jornais, emissoras de rádio e de televisão”.
Porém, aquilo de que “poucos se dão conta”, refere o jornalista, é que, se a imprensa usava as redes sociais para divulgar os seus trabalhos, “uma espécie de banca virtual de jornais”, a tendência agora “é no sentido inverso”: o jornalismo recorre às redes para alimentar muitos dos seus conteúdos, porque estas se estão a tornar “no espaço público para debates”.
Carlos Castilho descreve, então, aquilo a que dá o nome de “remixagem de notícias” e sublinha o papel dos jornalistas nesse processo.
Por um lado, as redes produzem “conhecimento por meio da interacção e recombinação de dados, factos, eventos e ideias” publicados pelas pessoas que frequentam a Internet.
Por outro, a imprensa, que usa essa informação para produzir notícias, “ocupa um papel central nesta recombinação”, sendo essencial que o jornalista assuma um lugar activo “na qualificação do material informativo disponível nas redes”, enquanto “curador, tutor” ou verificador de dados.
Para isso, é necessária “uma revisão profunda” das “funções e formação técnica” dos profissionais, até pelas “enormes repercussões sociais” destes processos.
Assim, o autor do artigo sublinha que cabe “ao jornalismo e à imprensa decidirem qual o rumo a tomar diante dos desafios colocados pelas Big Techs”, sem esquecer que a digitalização é “um processo irreversível” e “muito mais amplo” do que as “queixas e lamentações” dos média sobre a desinformação e a proliferação do discurso de ódio na internet.
(Crédito da fotografia: Julian Christ no Unsplash)