Desafios e omissões na regulamentação das plataformas digitais
Para Carlos Castilho, há dois aspectos que estão a ser omitidos no debate sobre a regulamentação das plataformas digitais, e o jornalista reflecte sobre estes num artigo publicado no Observatório da Imprensa, com o qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.
Para Carlos Castilho, é importante não esquecermos, por um lado, a apropriação de dados pessoais pelas redes sociais e, por outro, a necessidade de perceber as consequências das dinâmicas de comunicação geradas pelas plataformas digitais.
Numa leitura histórica ampla, o autor defende que “a questão das plataformas é um tema crucial porque tudo indica que o exercício da profissão precisará delas tanto quanto foi dependente da tinta e do papel no início do século XIX, quando surgiram os primeiros jornais impressos”.
No seu artigo, o autor contextualiza estes aspectos na evolução da relação entre o jornalismo e as plataformas digitais. “A feroz campanha dos principais órgãos da imprensa contra as plataformas ocorre no contexto de uma mudança no relacionamento entre as partes”, descreve.
Se no início as redacções viam as redes sociais (principalmente, o Facebook nessa altura) como um “canal mais eficiente e barato para chegar até o grande público”, passados uns anos começou-se a perceber que, além de as plataformas funcionarem mais como espaço de comentário e partilha de notícias, os jornais têm de competir com as redes sociais pelo negócio da publicidade.
Para Castilho, esta “briga por maiores receitas” levou a imprensa a aliar-se ao poder político e económico e a incorporar o tema da propagação “das notícias falsas [fake news], da difamação e do discurso do ódio através das redes sociais” num esforço de recuperação da atenção do público.
Enquanto a ênfase da regulamentação está a ser posta nas questões punitivas ou financeiras, o jornalista acredita que se deve dar prioridade à “questão dos fluxos de informação através das redes”, isto é, a entender o impacto da transição para uma “comunicação relacional” na internet.
Castilho explica o que entende por “comunicação relacional”: as notícias são cada vez mais vistas, procuradas e partilhadas a partir de redes sociais, além de terem deixado de um ser “um produto entregue pronto e acabado ao público” para terem passado a ser “uma forma de conhecimento desenvolvida conjuntamente por pessoas comuns, jornalistas e formadores de opinião”.
“Como a notícia passa a ser o resultado de uma relação social, o combate às fake news incorpora obrigatoriamente os usuários das plataformas no combate às distorções informativas, o que coloca o debate sobre regulamentação noutro patamar”, argumenta, completando que “não é mais possível resolver um problema complexo e que envolve tantas questões diferentes, com soluções simples, tipo verdadeiro ou falso”.
Castilho menciona ainda que tem sido omitida do debate a questão da apropriação de dados pessoais pelas principais redes sociais, tais como Facebook, X(ex-Twitter), Instagram, YouTube, TikTok e WhatsApp. O jornalista faz referência ao conceito de "colonialismo de dados”, sugerido pelo sociólogo Nick Couldry e utilizado para “identificar o processamento e comercialização de dados obtidos gratuitamente pelas chamadas Big Techs (Facebook, Google, Twitter, Microsoft e Apple)”.
Ainda assim, para o autor, este é um tema que torna ainda mais evidente a complexidade da discussão, uma vez que, apesar do tal “colonialismo de dados”, as plataformas digitais são “a fonte de quase 70% do faturamento de pequenos projetos jornalísticos online”, além de serem a via principal que estes projectos usam para chegar ao público.
“O jornalismo local ou independente pode acabar vitimizado por uma eventual demonização” das redes sociais, diz Castilho.
(Créditos da imagem: Joseph Mucira no Pixabay)