Poder-se-ia pensar que a função dos jornalistas é contar o que está a acontecer ou o que aconteceu e não sobre o futuro, mas tal não é verdade.

Num artigo publicado nos “Cuadernos de Periodistas”, editado pela APM – com a qual o CPI mantém um acordo de parceria –, Josu Mezo aborda a complexidade enfrentada pelos jornalistas ao lidar com notícias que envolvem previsões e anúncios sobre eventos futuros. 

Embora o jornalismo tradicionalmente se concentre no relato do passado e presente, Mezo destaca que os meios de comunicação frequentemente reportam previsões, desde questões meteorológicas até anúncios de empresas e governos – porque a declaração em si é um acontecimento que se verificou, é um facto.

Contudo, Mezo salienta “é fácil que a notícia do anúncio transmita a impressão de que o acontecimento anunciado também é verdadeiro (no sentido de certo). E é aqui que o jornalismo se vê confrontado com um desafio bastante difícil de gerir”.

Os anúncios de empresas, por exemplo, referem-se a acontecimentos futuros mais distantes ou que requerem autorizações ou dependem da evolução do mercado e, por vezes, podem ser noticiados como se fossem acontecimentos quase certos. 

Mezo salienta a importância de os jornalistas serem agnósticos em relação aos anúncios, questionando sua credibilidade e considerando a incerteza envolvida. O autor destaca também que a falta de verificação dos factos futuros é um desafio, e sugere que os jornalistas procurem conhecimentos especializados e experiências análogas para avaliar a razoabilidade das previsões.

Mezo defende que mesmo em casos onde as previsões são mais oficiais, como orçamentos governamentais, é necessário manter uma dose de cepticismo, pois as circunstâncias económicas podem influenciar a implementação desses planos.

“Em última análise, é evidentemente possível e legítimo difundir mensagens das empresas sobre as suas actividades futuras, mas o grau de certeza com que são apresentadas deve ser devidamente graduado”, refere.

O autor relembra que, embora a tarefa seja delicada, os jornalistas devem apresentar ao público um julgamento fundamentado sobre o que as provas disponíveis sugerem que pode acontecer, com todas as incertezas devidamente consideradas.

“Uma parte importante das notícias geradas pelos governos a diferentes níveis baseia-se também em mensagens sobre actividades futuras. Tal como no caso das empresas, é necessário distinguir entre diferentes graus de incerteza. Através dos tempos verbais, dos títulos, da ordem pura e da relevância das diferentes partes da informação, é possível e necessário distinguir entre, por exemplo, uma obra pública que começa a ser executada e a obra para a qual se põe a concurso a elaboração do projecto de construção”, justifica Mezo.

“Parece óbvio, mas a verdade é que é frequente encontrarmos notícias sobre grandes obras que ainda estão numa fase muito preliminar, mas que, no entanto, são noticiadas como se a sua conclusão fosse certa e todos os pormenores estivessem confirmados”, acrescenta.

O autor sugere que “não estamos no Minority Report, e não nos é possível visualizar o futuro para, com toda a certeza, negar ou confirmar o que nos é anunciado”. Por isso, afirma que “a diferença entre o fact-checkingdo passado e o do futuro é menos radical do que parece”. 

“No final, o que se deve fazer em ambos os casos é apresentar ao público um juízo fundamentado e razoável sobre o que as provas disponíveis nos levam a crer que aconteceu ou poderá acontecer, com as suas incertezas e dúvidas bem presentes”, conclui.