Como os jornalistas podem contrariar o afastamento dos leitores

Dois experientes jornalistas juntaram-se para pensar sobre um dos maiores riscos actuais do sector dos média: os elevados níveis de afastamento do público em relação às notícias. O resultado é um artigo publicado pelo Reuters Institute, em que os autores apresentam “sete coisas que os jornalistas podem fazer para contrariar o afastamento do público”.
Segundo o Digital News Report 2023, mais de uma em cada três pessoas (36%) evita o contacto com as notícias às vezes ou frequentemente, porque sente que as histórias “são deprimentes, irrelevantes ou difíceis de entender”.
A pergunta que se levanta é: Como podemos manter as pessoas ligadas sem tornarmos as notícias demasiado básicas? Nic Newman, investigador no Reuters Institute, e Ellen Heinrichs, fundadora e directora do Bonn Institute, sugerem estratégias e partilham alguns exemplos.
1. Manter a simplicidade, concisão e utilidade
Muitas vezes, os jornalistas usam palavras e frases muito longas e incluem demasiados pormenores nas histórias. É essencial “pensar com tanto cuidado sobre o que se inclui num texto como sobre o que fica de fora”.
Um caso que teve boa aceitação junto do público é o dos trabalhos do jornalista da BBC Ros Atkins sobre o Partygate, o escândalo das festas na residência oficial do primeiro-ministro britânico durante o confinamento da pandemia por Covid-19. Os artigos e vídeos de Ros Atkins, com milhões de visualizações, explicavam, de forma condensada, com frases curtas e factos bem fundamentados, a complexidade do tema.
2. Contar histórias humanas fortes com que as pessoas se relacionem
Mesmo quando o que está em causa são temas pesados da actualidade, como os cenários de guerra, é possível contar histórias que, de alguma forma, tragam esperança e inspiração ao público.
Os autores lembram o vídeo da Deutsche Welle sobre as equipas de resgate ucranianas que se deslocaram da guerra para a Turquia para ajudar as vítimas do terramoto.
Histórias humanas fortes envolvem mais as pessoas, dão-lhes um sentido de propósito e ajudam até a desconstruir situações complexas em elementos que tornam os acontecimentos mais próximos e menos abstractos.
3. Ouvir o público (e agir em conformidade)
“Exercícios de escuta podem ser uma das formas mais simples e eficientes de encurtar a distância entre aquilo que o público quer e o que uma redacção está a oferecer”, dizem os jornalistas.
Isto pode ser feito falando com as pessoas que não lêem as notícias, incluindo grupos mais cépticos, como pessoas anti-vacinas, ou dando espaço aos leitores para enviarem sugestões de temas que gostariam de ver desenvolvidos.
A experiência tem mostrado que estratégias destas conduzem, entre outros resultados, a uma percepção mais clara por parte das equipas editoriais dos aspectos em falta nos trabalhos publicados — por exemplo, emoção, humor e empatia — e a uma maior capacidade de decidir que histórias publicar, com prevalência para as que oferecem mais contexto e explicam melhor a realidade.
4. Ter em conta as comunidades e criar redacções diversas
A diversidade nas redacções “não é só uma questão de igualdade”, é também essencial para chegar a grupos que não estão a acompanhar as notícias, porque a cobertura noticiosa é “irrelevante ou inútil” para a sua vida.
O jornal digital The City, dedicado à população de Nova Iorque, tem a preocupação de escrever sobre temas que afectam o dia a dia das pessoas, como as questões dos direitos nas actividades quotidianas. Além disso, a equipa envia postais para quem não tem acesso às notícias online com um resumo de informação útil que tenha sido matéria de reportagem (por exemplo, “Sem aquecimento em casa? Isto é o que pode fazer”).
5. Criar formatos mais envolventes
Para chegar ao público mais jovem, as redacções estão a adaptar a forma como publicam as notícias.
O Le Monde, por exemplo, contratou uma equipa de jovens jornalistas que “entendem a linguagem do TikTok e outras plataformas emergentes”. O resultado têm sido peças mais cativantes, “mas também em linha com a missão de explicar as notícias”.
Estratégias semelhantes têm sido seguidas por outras publicações, como o canal noticioso alemão ARD Tagesschau, que usa vídeos, memes, grafismos e elementos explicativos nalgumas das histórias que publica.
6. Repensar a cobertura política (construtiva)
Um dos motivos que levam muitas pessoas a sentir-se desligadas das notícias políticas é a forma de acompanhamento dos assuntos, muitas vezes centrados nas trocas de acusações entre políticos ou na evolução das sondagens (em período de eleições).
Como alternativa, as redacções podem oferecer formatos ou conteúdos que abordem os temas, incluindo os mais polémicos, de forma aprofundada, sem que as diferentes perspectivas sejam apresentadas de maneira polarizadora.
Os autores deixam, como exemplo, os podcasts britânicos The Rest is Politics e Anti-Social, que recorrem a perguntas dos ouvintes e a conversas de aprofundamento, para transformar “emojis de caras zangadas em compreensão”.
7. Procurar soluções e esperança
“Mostrar perspectivas mais positivas e optimistas não significa que se está a pintar ‘o mundo de cor-de-rosa’ ou a desvalorizar assuntos importantes”, explicam Nic Newman e Ellen Heinrichs.
As abordagens centradas nas soluções são ricas na investigação dos factos e em verificação rigorosa. Alguns casos de estudo têm mostrado que os artigos que usam este tipo de jornalismo prendem os leitores durante mais tempo.
O jornalismo climático, por exemplo, beneficia muito de abordagens que apresentam soluções, porque permitem que o público aceda a informação mais concreta sobre acções que pode desenvolver.
Embora “mudar práticas e hábitos profundamente entranhados não seja fácil”, Nic Newman e Ellen Heinrichs acreditam que os exemplos partilhados no artigo podem ser inspiradores e mostrar que “estão a ser feitos progressos, lentos mas consistentes”.
Os jornalistas discutiram o tema numa sessão do Festival Internacional de Jornalismo deste ano, em Perúgia, e a conversa está disponível no YouTube.
(Créditos da fotografia: redacção da BBC em Londres, Michal Bělka, CC BY-SA 4.0, via Wikimedia Commons)