Como investigar ataques a jornalistas para travar a impunidade
Os responsáveis pelos homícidios de jornalistas como Daphne Caruana Galizia, em Malta, Anna Politkovskaya, na Rússia, e Jamal Khashoggi, na Turquia, pensaram que os seus actos iam ficar impunes, sem qualquer investigação e que silenciar um jornalista de investigação ajudaria a sua causa.
Num artigo publicado na “Global Investigative Journalism Network”, Rowan Philip aborda a importância e o impacto das investigações de assassinatos de jornalistas e cita Laurent Richard, fundador da Forbidden Stories: "Ao matar o mensageiro, não se pode matar a mensagem”.
Numa sessão que assinalou o Dia Internacional pelo Fim da Impunidade de Crimes contra Jornalistas, um painel de especialistas defendeu a importância de investigar os assassinatos, para combater a impunidade na justiça e dissuadir futuros actos de violência.
O artigo revela que, de acordo com o Observatório da UNESCO, nove em cada 10 assassinatos de jornalistas não tiveram qualquer punição judicial nos últimos 14 anos. Neste período, foram registados 1200 assassinatos de jornalistas.
Porém, Laurent Richard aponta que, apesar da impunidade, o assassinato de jornalistas aumenta a atenção sobre os abusos perpetrados.
Os oradores do painel concordaram que estes assassinatos representam crimes agravados contra a sociedade e que devem ser tratados como tal pelos decisores políticos, sublinhando que, quando os casos são amplificados pelos colegas dos meios de comunicação social, há uma responsabilização dos homicidas mesmo quando o sistema de justiça criminal conspira para os manter fora da prisão.
“A título de exemplo, Roman Anin, da IStories, revelou que, tal como outros repórteres na Rússia, tornou-se jornalista de investigação como consequência directa do assassinato descarado de Politkovskaya em 2006. Desde então, Anin tem liderado uma equipa de investigação na Novaya Gazeta e fundou o impactante meio de investigação IStories, que tem vindo a chamar a atenção para as forças inexplicáveis na Rússia e a ajudar a investigar também o assassinato de Politkovskaya. Anin - cujo apartamento e redacção foram invadidos pela polícia de segurança russa este ano - recomendou à Novaya Gazeta um documentário de investigação sobre o assassinato de Politkovskaya, que foi lançado em outubro”, escreve Rowan Philip.
Jos Bartman, coordenador do projeto “A Safer World for the Truth”, afirmou perante os participantes do GIJC21 que a sua organização sem fins lucrativos está a investigar directamente assassinatos de jornalistas por resolver e que pretende investigar 10 casos no próximo ano.
Bartman referiu ainda que o projeto completou duas investigações de homicídios dos corajosos jornalistas Zubair Mujahid no Paquistão e Regina Martínez Pérez, no México, e partilhou dicas sobre como as redacções comuns podem investigar estes casos.
Dicas para investigar assassinatos de jornalistas:
- Comece por analisar o trabalho do repórter assassinado: "Com Zubair (Mujahid), começámos por analisar os arquivos do seu jornal", observou Bartman, explicando que recorreram a um “esquema de codificação para isolar os tópicos mais importantes sobre os quais ele escrevia e as pessoas que ele incriminava. A tortura e a negligência policial, no que diz respeito a casos de direitos humanos, apareceram com força, e [um departamento de polícia] principalmente."
- Avalie as vulnerabilidades dos alvos das histórias: pode encontrar suspeitos de que nunca ouviu falar nas camadas intermédias. "A polícia local, os senhorios, foram realmente afectados pela escrita de Zubair", explicou Bartman.
- Analisar ameaças e intimidações antes do assassinato: "Descobrimos que (Mujahid) foi detido antes do seu assassinato pela polícia distrital, por razões desconhecidas", revelou Bartman, acrescentando que Mujahid tinha escrito “uma carta, pedindo ajuda".
- Examinar o inquérito policial para detetar anomalias: "Este é provavelmente o passo mais importante. Como sabe, as investigações oficiais nem sempre são minuciosas ou imparciais", argumentou Bartmna.
"Examinámos os processos para encontrar anomalias, como relatórios post mortem e ausência de testes balísticos."
- Quando entrevistar potenciais testemunhas e cúmplices, tome todas as precauções de segurança que puder - e não vá sozinho: Anin revelou que a sua presença numa entrevista com potenciais testemunhas tinha impedido o rapto de um colega. Aparentemente, os conspiradores deixaram o plano de rapto de lado quando ele apareceu acompanhado na entrevista.
- Contactar os aliados da sociedade civil, se a testemunha-chave insistir num acordo: Anin disse que, num caso, a equipa procurou a ajuda de organizações internacionais quando uma testemunha crucial exigiu que o ajudassem a sair do país em troca do seu testemunho. "Podem imaginar como é difícil obter um visto para um indivíduo com um passado criminoso", disse Anin. "Tivemos de nos encontrar com membros de grupos criminosos que nos tentaram vender informações sobre o assassínio."
- Considerar a possibilidade de litigar para que um caso seja oficialmente reaberto: Não nomeie autores individuais sem provas concretas, mas apresente cuidadosamente as provas que tem sobre as instituições envolvidas e seja transparente sobre o que não pode provar.
- Use ferramentas de criptografia para proteger sua investigação: Richard enfatizou que os repórteres que investigam inquéritos policiais precisam de separar os seus espaços digitais pessoais dos profissionais e usar as melhores ferramentas de encriptação disponíveis.
Anin sugeriu ferramentas como o VeraCrypt para proteger e camuflar ficheiros; gestores de palavras-passe como o LastPass e o Google Authenticator; e encriptação de discos como o FileVault para Macs e o BitLocker para PCs.
A abordagem colectiva para investigar estes crimes é fundamental para fortalecer o poder das investigações jornalísticas na busca pela verdade e justiça, transformando assassinatos impunes em fontes de informação que chamam à atenção para as injustiças no mundo.