Como centrar a cobertura das eleições naquilo que interessa aos eleitores
Num ano em que mais de 60 países em todo o mundo vão a votos, incluindo a União Europeia, cujas eleições acontecem já em Junho, a International Journalists’ Network (IJN) reuniu algumas boas práticas para a cobertura das campanhas eleitorais.
O objectivo é evitar o chamado “horse race journalism”, ou seja, a cobertura jornalística demasiado direccionada para quem está a ganhar ou perder — nas sondagens e nos debates —, e para a percepção pública dos candidatos.
Em alternativa, a IJN lembra que é essencial trazer para o centro da discussão os temas que fazem diferença no dia-a-dia dos cidadãos e aquilo que os partidos têm a dizer sobre esses assuntos.
Num webinar organizado em Janeiro pelo Knight Center for Journalism in the Americas e pela Solutions Journalism Network, foram deixadas várias sugestões para uma cobertura jornalística que dê prioridade ao que realmente está em causa nas eleições.
A IJN faz um apanhado das principais propostas.
“Citizen’s agenda”: Dez passos para uma melhor cobertura das eleições
Jay Rosen, jornalista norte-americano e reconhecido professor de jornalismo da New York University, criou um modelo a que dá o nome de Citizen’s agenda (Interesses dos cidadãos, numa tradução livre) e que descreve como sendo um “guia para uma cobertura noticiosa mais adequada, inclusiva e útil para os eleitores”.
Rosen propõe dez passos:
- Identificar as pessoas a que se quer chegar.
- Fazer perguntas abertas a essa comunidade, tais como: “De que assuntos querem que os candidatos falem durante a campanha?”
- Fazer a pergunta em várias plataformas — formulários online, contactos telefónicos, encontros públicos, questionários na aplicação do jornal, etc.
- Criar uma lista de prioridades com seis a oito temas referidos pelo público.
- Pedir opinião à comunidade sobre a lista e fazer os ajustes necessários.
- Publicar a lista no site do jornal.
- Usar a lista como referência para a cobertura da campanha, recorrendo a ela para pensar nas perguntas a fazer aos candidatos.
- Garantir que os candidatos respondem directamente a essas questões.
- Construir guias eleitorais para o público que incluam os temas da lista e as respostas dadas pelos candidatos ao longo da campanha.
- Ser flexível e ir confirmando e completando o documento à medida que surgem novas informações.
A aplicação prática do modelo Citizen’s agenda
Ao longo das últimas décadas, várias redacções têm usado a abordagem de Jay Rosen para a cobertura de campanhas eleitorais. No webinar de Janeiro, alguns jornalistas partilharam as suas experiências e deixaram dicas práticas.
- KUNR, rádio pública no Nevada: em 2022, a redacção publicou um questionário seis meses antes do dia das eleições a pedir aos ouvintes que dissessem quais os temas que mais os preocupavam. As respostas dos candidatos às perguntas relativas a esses assuntos foram divulgadas no site e em antena, tanto em inglês como espanhol, uma vez que existe uma grande comunidade hispânica naquela região.
Natalie van Hoozer, coordenadora da ligação à comunidade na KUNR, sublinhou que é muito importante fazer perguntas abertas e perceber qual é a plataforma de comunicação que resulta melhor para a comunidade.
Outra dica é a da criação no site de uma secção de Perguntas Frequentes sobre a redacção, para que o público tenha se sinta mais próximo dos jornalistas e se envolva mais nas actividades. - The Current, jornal local em Lafayette, no Louisiana: no caso desta redacção, a principal preocupação era conseguir mobilizar o eleitorado jovem, pelo que um dos locais-chave para a recolha de respostas foi a universidade. A partir das informações reunidas, a redacção organizou, entre outras iniciativas, um encontro entre os candidatos e os cidadãos, para que estes últimos pudessem expressar as suas preocupações e desejos para a comunidade.
Além da mobilização dos leitores e do maior conhecimento destes sobre os programas eleitorais, a abordagem Citizen’s agenda também levou ao aumento da audiência e da credibilidade do jornal. - Latino News Network: Hugo Balta, editor de um dos jornais da rede Latino News, em Illinois, defende que o modelo da Citizen’s agenda é uma alternativa de valor, porque as pessoas se voltam a sentir ligadas à cobertura jornalística e ficam menos confusas em relação às campanhas eleitorais.
(Créditos da imagem: pch.vector no Freepik)