A “alfabetização jornalística” dos alunos na revolução digital
Ao longo de quarenta anos, entre 1969 e 2009, no Brasil, todos os jornalistas foram obrigados a ter um diploma de jornalismo, mediante a finalização de um curso superior, com a duração de quatro anos, para que pudessem ter o direito de exercer a actividade. Tal aconteceu, até ao momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil, decidiu que o diploma deixava de ser obrigatório.
Agora, o tema tem estado a ser debatido, novamente, naquele país. E é sobre esta questão que Carlos Castilho se debruça no seu último texto publicado no Observatório do Brasil, com o qual o CPI mantém parceria.
No entanto, segundo o autor, esta não será a questão fulcral. “A grande e complicada questão é o futuro da profissão num ecossistema informativo, em que a tanto a notícia, matéria-prima do jornalismo, como as instituições de apoio ao jornalismo, empresas, foram radicalmente alteradas pela emergência da computação e digitalização”, refere.
“O diploma, em teoria, é um certificado da qualificação do jornalista, o que nos leva a perguntar: que tipo de formação está a ser dada hoje pelas faculdades de jornalismo aos futuros profissionais? É duro dizer, mas a realidade evidencia uma inércia académica em adequar os cursos de jornalismo aos desafios que os estudantes enfrentarão daqui a dois ou três anos”, considera.
Na opinião de Castilho, “de nada adianta um diploma se os novos profissionais não encontrarem empregos ou estiverem despreparados para actuar de forma autónoma. O diploma não é uma carteira de ingresso num clube fechado, mas um atestado de que o profissional está preparado para exercer funções, como lidar com o caos informativo nas redes sociais, funcionar como curador de notícias, trabalhar com a inteligência artificial nos fluxos informativos, inserir-se em comunidades sociais e também gerir a sustentabilidade financeira em projectos jornalísticos autónomos”.
“Estes são apenas alguns itens que já fazem parte do quotidiano dos novos profissionais e que são abordados perifericamente na maioria dos cursos de jornalismo”. A verdade, segundo o autor, é que sem haver esta preparação e preocupação, “um diploma vale pouca coisa porque não garante o acesso às empresas online, nem assegura a sobrevivência de iniciativas autónomas” como a “promoção do envolvimento entre jornalistas e comunidades sociais”, entre outras.
Neste sentido, o jornalista concorda com o professor Rodrigo Ratier, da Escola de Comunicação e Artes (ECA), Universidade de São Paulo, quando chegou a propor, num dos seus artigos, a necessidade de uma “alfabetização jornalística” dos novos alunos de jornalismo, “porque eles já não lêem” jornais e “transformaram as redes sociais” na sua “principal fonte de informações”.
“Isto coloca o jornalismo diante da necessidade de pensar primeiro na qualificação profissional para o exercício da profissão num contexto digital, do que em cobrar a obrigatoriedade de um diploma universitário. Não sou contra o diploma, mas só ele não vai resolver os graves dilemas com que se defronta a profissão nesta transição da era analógica para a digital, no campo da informação pública”, considera Castilho.