A sobrevivência do jornalismo independente e as questões locais

“Não é necessário nenhum raciocínio complexo para perceber que”, nos dias de hoje, “o jornalismo local está muito mais próximo do cidadão comum do que a agenda” dos grandes jornais impressos “ou dos telejornais globais”, afirma Carlos Castilho no seu último texto publicado no Observatório da Imprensa do Brasil, com o qual o CPI mantém parceria.
“O cidadão comum preocupa-se, hoje, muito mais com a informação relacionada ao seu dia a dia, transportes públicos, relação com vizinhos, vagas em escolas do bairro, horário de atendimento” das urgências nos centros de saúde, “do que com as articulações entre partidos para composição de uma comissão parlamentar de inquérito, por exemplo, ou com as candidaturas para as próximas eleições norte-americanas”, observa o autor.
Por isso, Castilho considera que “a polémica gerada”, no Brasil, por causa do projecto de lei conhecido como a “lei das fake news”, “teve o mérito de trazer para a agenda pública de debates a questão da sobrevivência do jornalismo independente, especialmente o focado nas questões locais e comunitárias”.
No que se refere ao Brasil, por exemplo, “este é um tema muito mais relevante para o conjunto da sociedade brasileira do que a sobrevivência da Rede Globo e de outras grandes redes de comunicação social”, afirma o jornalista.
A internet e os telemóveis “viabilizaram os fluxos de notícias locais, criaram a possibilidade de um novo espaço público de informação, centenas de jornalistas e não jornalistas lançaram dezenas de projectos locais, mas a maior parte das iniciativas comunitárias ainda não consegue sobreviver por falta de sustentabilidade económica”, menciona Castilho.
Segundo o autor, “este é o grande desafio que a nossa sociedade precisa enfrentar. É uma questão tão importante quanto o controle das fake news” ou da distribuição das receitas publicitárias “entre os conglomerados da comunicação e as grandes plataformas que abrigam redes sociais virtuais como Facebook, Youtube, Twitter e outras”.
No entanto, “as reais necessidades informativas do cidadão comum estão a ser ofuscadas pela batalha entre empresas que perderam rentabilidade por causa da internet e as que foram beneficiadas financeiramente pelas novas tecnologias de comunicação e informação (TICs)”, considera Castilho, e acrescenta: “a Globo e outras redes como a norte-americana Fox, bem como a australiana ABC, usam as suas relações com as elites políticas e económicas dos seus respectivos países, para obter leis que alonguem o máximo possível a vigência de vantagens financeiras e legais, ao mesmo tempo que procuram bloquear o crescimento do poder económico de plataformas como Facebook, Twitter e Youtube (controladas pelo Google)”.
No Brasil, por exemplo, a Rede Globo defende a “Lei das Fake News”, baseando-se no combate às notícias falsas, mas o autor considera que esta é “uma estratégia para minimizar a visibilidade pública do seu grande objectivo, que é a neutralização do crescimento acelerado das plataformas digitais”.
O “Facebook, Twitter e Google facturam milhões de dólares comercializando dados que obtêm gratuitamente” dos seus utilizadores. “Trata-se de um colonialismo informacional idêntico, em sua natureza extractivista, ao modelo do colonialismo” da escravatura “dos séculos XVII e XVIII”, constata o jornalista.
Carlos Castilho crê, por isso, que quando as “centenas de projectos jornalísticos independentes unirem esforços para reivindicar o fim do colonialismo de dados, acaba a actual coexistência com as grandes plataformas digitais”, que tem sido a principal razão das “guerras” e polémicas inerentes às leis das Fake news, no entender do autor.
Na opinião de Castilho, no entanto, “os conglomerados mediáticos tradicionais estão com os seus dias contados, porque o seu modelo de negócios perdeu a rentabilidade na era digital, e tratam agora de extrair o máximo lucro possível do que ainda é rentável. E o seu maior obstáculo são as plataformas, porque elas sugam a publicidade que foi a grande responsável pelos lucros obscenos dos impérios jornalísticos até o final do século XX. Não há um lado bom, nem um lado ruim nesta guerra de grandes empresas, pois todas colocam os seus interesses financeiros acima das necessidades e desejos do cidadão comum”.
Por outro lado, o jornalista refere que “a sobrevivência e o progresso do jornalismo independente estão directamente relacionados ao combate à exclusão informativa, uma das principais causas da exclusão social”, o que “é um freio ao crescimento económico”, ficando também “evidente a necessidade de acabar com a exclusão informativa para viabilizar o desenvolvimento humano e a paz social”.
No entanto, dando o exemplo do Brasil, Castilho refere que “o jornalismo independente apoia”, em princípio, a regulamentação proposta pelo Projecto de Lei brasileiro, “mas alimenta uma relação complexa com as plataformas digitais, por conta de interesses opostos, a longo prazo”.
“Por tudo isto, dá para perceber a complexidade da polémica em torno de um projecto de lei que mexeu com o que há de mais sensível nos tempos em que vivemos: a informação, sua circulação entre as pessoas e sua capacidade de gerar conhecimentos que alimentam acções”, conclui o autor.