Em Espanha, todos os anos é publicado um relatório sobre a profissão de jornalismo no país, pela Asociación de la Prensa de Madrid (APM), com a qual o Clube Português de Imprensa mantém uma relação de parceria.

Este Informe Anual de la Profesión Periodística inclui “um conjunto amplo de opiniões, artigos e análises sobre os temas mais relevantes do ano no âmbito jornalístico”, bem como dados qualitativos e quantitativos que “reflectem a opinião dos jornalistas sobre as diversas questões importantes para a sua actividade profissional”, explica José Ignacio Bel Mallén, num artigo recente dos Cuadernos de Periodistas da APM.

Neste texto, o autor, doutorado em Ciências da Informação, faz um levantamento dos principais problemas identificados nos vinte relatórios já publicados pela APM, de 2004 a 2023 — a edição de 2024 será editada em breve.

“As respostas ao longo destes 20 anos mostram um elenco de problemas, muitos deles repetitivos, que abordam a realidade profissional a partir de várias perspectivas: económica, social, ética, familiar, política, profissional…, e estabelecem com clareza a radiografia da profissão em Espanha”, descreve José Ignacio Bel Mallén.

Principais problemas identificados pelos profissionais

Reunindo todos os relatórios, o autor identifica 35 questões referidas pelos profissionais independentemente do número de vezes que se repetem.

Desta lista fazem parte problemas como “desemprego”, “precariedade laboral”, “intrusão profissional” (entrada de pessoas alheias à profissão), “baixos salários”, “estagiários e estudantes no lugar de quadros profissionais”, “inexistência de códigos de ética”, “limitações à liberdade de expressão”, “incompatibilidade com a vida familiar”, entre muitos outros temas. (A lista completa está disponível no artigo publicado nos Cuadernos de Periodistas.)

No entanto, quando a informação é categorizada de acordo com o número de vezes que cada questão se repete nos relatórios ao longo dos anos, é possível chegar a três grupos de problemas.

Os dez problemas mais repetidos incluem, naturalmente, o “desemprego” (repetido 20 vezes) e a “precariedade laboral” (19), mas também a “falta de independência/politização” (19) e o “volume de trabalho e falta de tempo para trabalhar a informação” (18).

Do segundo grupo, fazem parte problemas repetidos entre cinco e sete vezes. Por exemplo: “escassa rotação” (7), “incompatibilidade com a vida familiar” (7), “diferenças salariais entre jornalistas e gestores” (5) e “dificuldade de acesso às fontes informativas” (5).

Finalmente, no terceiro grupo, estão os restantes problemas: desde “prestígio/reconhecimento” (4) e “horários extensos” (3) até “sensacionalismo” (1) e “problemas derivados da adaptação às mudanças tecnológicas” (1).

A profunda interrelação dos temas

Numa leitura global, é possível notar que “alguns destes problemas se estão a converter em crónicos”, com implicações até “no valor e confiança que a sociedade atribui à informação”.

“O desemprego, a precariedade e a intrusão profissional têm propiciado um claro declínio do talento editorial e, consequentemente, da qualidade do trabalho jornalísticos”, aponta o autor, acrescentando que este fenómeno tem impacto em outros dois problemas citados em vários relatórios, como a “falta de credibilidade” e a “fraca avaliação profissional dos jornalistas”.

Já a chamada “intrusão profissional” remete, ainda, para outro problema institucional que é a “ausência de uma definição da profissão de jornalista na legislação e, portanto, a possibilidade de que pessoas alheias ao mundo informativo ocupem postos de trabalho nas redacções”, descreve o autor.

Quanto aos baixos salários, é um problema que se mantém no topo, tendo passado de quarto para segundo lugar nos últimos 20 anos. Já o relatório do ano passado identificava este como um problema central, tendo na altura apresentado quatro possíveis soluções: aumentos salariais, compensação da perda de poder de compra dos últimos anos, redução do horário de trabalho e possibilidade de teletrabalho.

À medida que se vai descendo na lista dos problemas identificados, vai ficando claro que os temas que surgem mais abaixo são “consequência directa daqueles que são citados” primeiro.

Conhecer para resolver

Estes relatórios são uma “valiosa fonte de informação para compreender a realidade do jornalismo em Espanha”, diz José Ignacio Bel Mallén.

Ora, “para solucionar um problema, o melhor é conhecer as suas causas. E este é um dos aspectos mais positivos […] dos relatórios apoiados pela APM”, sublinha.

Só assim se “poderá implementar medidas oportunas que sejam consideradas necessárias por todas as partes implicadas na solução”, acrescenta.

A publicação consistente destes relatórios é uma precisamente uma forma de contribuir para o conhecimento e para a solução, conclui o autor.

(Créditos da imagem: macrovector no Freepik)