Num artigo publicado no site Drilled, os jornalistas Amy Westervelt e Matthew Green, revelam que a Reuters, juntamente com outros seis principais meios de comunicação, está envolvida na criação e publicação de conteúdos promocionais para a indústria de combustíveis fósseis. 

O estudo, conduzido pelo The Intercept e The Nation, em colaboração com Drilled e DeSmog, examinou conteúdos publicitários e eventos realizados nos últimos três anos, destacando o período de outubro de 2020 a outubro de 2023 – quando o público intensificou os apelos para que as empresas de media, relações públicas e publicidade cortassem os seus laços comerciais com clientes de combustíveis fósseis devido às mensagens enganosas da indústria que atrasava a acção climática.

“O material patrocinado é criado para se parecer com o trabalho editorial autêntico de uma publicação, dando um verniz de credibilidade jornalística aos principais pontos de discussão climática da indústria de combustíveis fósseis”, escrevem os autores do artigo.

O artigo destaca que os meios de comunicação analisados, incluindo Bloomberg, The Economist, Financial Times, New York Times, Politico, Reuters e The Washington Post, são consistentemente classificados como "mais fiáveis". No entanto, todos possuem estúdios de marcas internos que criam conteúdo publicitário para empresas de petróleo e gás, proporcionando uma aparência de legitimidade às mensagens da indústria sobre as mudanças climáticas.

Westervelt e Green referem que a Reuters vai ainda mais longe: a sua equipa de eventos cria cimeiras personalizadas para a indústria, especificamente concebidas para eliminar os "pontos problemáticos" que impedem uma produção mais rápida de petróleo e gás.

Além dos tradicionais anúncios, estes meios também permitem que empresas de combustíveis fósseis patrocinem eventos, podcasts e vídeos. O relatório destaca a falta de transparência ao mencionar a colaboração da Reuters com a Saudi Aramco num podcast sem informar claramente os ouvintes sobre a natureza do conteúdo patrocinado.

“Com as negociações das Nações Unidas sobre o clima a decorrer nos Emirados Árabes Unidos, as empresas do sector do petróleo e do gás têm patrocinado ainda mais anúncios e eventos com parceiros dos meios de comunicação social do que o habitual, sobretudo, com o objectivo de apresentar o sector como um líder em matéria de clima”, escrevem no artigo.

"É realmente escandaloso que meios de comunicação como o The New York Times, a Bloomberg ou a Reuters dêem o seu aval a conteúdos que são, na melhor das hipóteses, enganadores e, nalguns casos, completamente falsos", afirmou Naomi Oreskes, especialista em desinformação sobre o clima e professora na Universidade de Harvard, citada pelos autores.

 "Estão a fabricar conteúdos que, na melhor das hipóteses, são completamente unilaterais e, na pior, são desinformação, e estão a empurrá-los para os seus leitores".

Os porta-vozes da Bloomberg, do Financial Times, do The New York Times, da Reuters e do The Washington Post disseram em resposta ao artigo em questão que o conteúdo publicitário é criado por colaboradores separados da redacção e que os seus jornalistas são independentes da venda de anúncios. Por isso, argumentam, a independência dos jornalistas destes meios de comunicação não está em causa; mas 

Westervelt e Green contrapõem, explicando que o que é importante é saber se os leitores compreendem a diferença entre informação e publicidade. E, de acordo com um número crescente de estudos revistos por pares, não o fazem.

Westervelt e Green citam um estudo de 2016 da Universidade de Georgetown que concluiu que estes conteúdos publicitários são confundidos com conteúdo "real" por cerca de dois terços das pessoas. 

Outro estudo, realizado em 2018 por investigadores da Universidade de Boston, concluiu que apenas uma em cada 10 pessoas reconhecia a publicidade nativa como publicidade, em vez de reportagem. E, no contexto das alterações climáticas, os conteúdos patrocinados contradizem muitas vezes directamente os artigos noticiosos.

Para Michelle Amazeen, a principal autora do estudo da Universidade de Boston, “isso mancha a reputação do meio de notícias", motivo pelo qual considera “desconcertante que as redacções continuem a fazer isto."

O estudo enfatiza que a influência da indústria de petróleo e gás na Conferência das Partes (COP28) torna mais evidente a parceria comercial entre os meios de comunicação social e essa indústria. O artigo salienta ainda que executivos do sector têm apoiado tecnologias como captura e armazenamento de carbono, energia do hidrogénio e compensações de carbono como soluções climáticas, enquanto os meios de comunicação cobrem essas iniciativas e, simultaneamente, veiculam conteúdos patrocinados que promovem essas mesmas tecnologias.

No artigo em questão, os autores destacam também alguns exemplos específicos de conteúdos patrocinados, além do podcast da Reuters Plus para a Aramco, como é o caso de um podcast do New York Times para a BP ou um vídeo da Bloomberg Media Studios para a ExxonMobil. 

Para Westervelt e Green, “as agências de publicidade internas dos meios de comunicação não se limitaram a ajudar a fazer 'greenwash' das soluções climáticas preferidas pela indústria dos combustíveis fósseis na preparação para a COP28”. Segundo explicam, “nos últimos três anos, a equipa comercial do FT Commercial do Financial Times, por exemplo, criou sites dedicados a várias grandes empresas de combustíveis fósseis, incluindo a Equinor e a Aramco, juntamente com conteúdos e vídeos nativos, todos centrados na promoção do petróleo e do gás como uma componente fundamental da transição energética”. 

O Politico, explicam também, é um dos parceiros editoriais mais consistentes para a indústria dos combustíveis fósseis. Nos últimos três anos, veiculou conteúdos publicitários mais de 50 vezes para o American Petroleum Institute, o lobby de combustíveis fósseis mais poderoso dos EUA; organizou 37 campanhas de e-mail para a ExxonMobil; e enviou dezenas de boletins informativos patrocinados pela BP e Chevron, esta última também patrocinadora da cimeira anual "Women Rule" do Politico. Desde 2017, a Shell patrocinou cada um dos eventos Energy Visions do Politico (e a série web que o acompanha), que examina "a política e as questões que impulsionam a conversa sobre a transição energética".

Os autores citam ainda dados do Media Radar que apontam que o The New York Times obteve mais de 20 milhões em receita de anunciantes de combustíveis fósseis de outubro de 2020 a outubro de 2023 - o dobro do que qualquer outro meio de comunicação ganhou com a indústria. 

O artigo relembra ainda que a prática de colaborar com a indústria de combustíveis fósseis não é nova e remonta à década de 1970, mas salienta que a actual proliferação de estúdios de marca internos ampliou essas práticas. O artigo destaca também a necessidade de uma conversa mais rigorosa sobre essa colaboração entre os media e a indústria de combustíveis fósseis, considerando o seu impacto na confiança do público e na cobertura jornalística das mudanças climáticas.