O Observatório da Comunicação (OberCom) publicou recentemente o relatório Paradigmas de inovação para o serviço público de media e para o audiovisual em Portugal e na Europa, que faz um levantamento dos principais eixos de inovação audiovisual no espaço europeu e do comportamento dos serviços portugueses.

O documento, como o nome indica, é centrado no serviço público de média [SPM] e pretende, por um lado, “enquadrar os valores, objectivos e responsabilidades do SPM no actual ambiente audiovisual” e, por outro, “explorar a forma como estes actores se têm adaptado a uma nova realidade de consumo, distribuição e produção audiovisual”, lê-se no texto.

Partindo do geral para particular, o relatório descreve as dinâmicas de inovação do sector audiovisual e procura compreender “as novas características de consumo, produção e distribuição de conteúdo”.

À escala global

  • O formato Video on Demand (VoD) tem-se tornado cada vez mais popular, havendo algum afastamento do público em relação à “programação linear da televisão tradicional”.
  • O VoD diferencia-se, entre outros factores, pela “componente algorítmica de recomendação de conteúdo” e pela “variedade de modelos de oferta, que representam estratégias comerciais diferenciadas”.
  • Dentro deste formato, é importante salientar a popularização dos serviços que funcionam por subscrição. Os prestadores destes serviços “tendem a actuar numa escala global, tendo um poder económico superior aos agentes audiovisuais de âmbito nacional”, o que tem reflexos nas dinâmicas de mercado.

No espaço europeu

  • O mercado audiovisual “é ainda estruturado tendo por base a produção, distribuição e consumo de conteúdo a nível doméstico”, existindo uma tendência para a concentração num “número selecto de empresas”.
  • No entanto, os grandes prestadores de serviços de streaming norte-americanos assumem um peso cada vez mais acentuado na Europa, com a maior parte dos conteúdos a terem origem nos EUA.
  • Neste contexto, de natureza mais comercial, o SPM é considerado “uma componente fundamental na dieta mediática dos europeus”, descreve o relatório. As organizações de SPM surgem como “mecanismo fundamental para estabelecer uma oferta baseada em princípios que reflictam a matriz universal, pluralista e multicultural europeia”.
  • O relatório lembra também que o SPM “deve servir o interesse do público ao providenciar conteúdos que promovam diversos pontos de vista, auxiliem a formação de opiniões livres e habilitem à participação plena no debate público e na vida política”. Nesse sentido, estes serviços devem ter em conta todos os grupos sociais e seus interesses e não apenas alguns grupos demográficos ou económicos.
  • Embora os agentes públicos europeus evidenciem “algumas fragilidades estruturais relacionadas com orçamentos reduzidos e um âmbito de operações principalmente nacional”, ainda são estes que “mais investem no sector”.
  • Com os olhos postos na modernização, têm sido estabelecidas parcerias “com agentes tradicionais públicos e privados, e também por vezes com os próprios actores globais de streaming”.

No contexto nacional

  • A receita do sector audiovisual português, em 2020, foi de 168 euros per capita, abaixo da média de 190 euros per capita da União Europeia (UE). “No entanto, o mercado apresenta um ritmo de crescimento acima da média europeia”, refere o relatório.
  • O país “apresenta um dos maiores rácios de consumo de televisão tradicional na UE, bem como das maiores taxas de penetração de televisão paga” — 83%, relativamente aos 63% de média na UE.
  • Quanto às plataformas de streaming, a Netflix e a Disney + parecem ser as mais populares entre os portugueses.
  • Tendo sido desenvolvido um estudo de caso sobre a RTP, o relatório indica que o operador público português “exibe um nível de confiança acima de qualquer outra marca mediática em Portugal”, apesar de as audiências da RTP serem inferiores às da “principal concorrência nacional privada”.
  • O financiamento da RTP e o seu poder de investimento apresentam “um certo nível de estagnação”, sendo esta “uma tendência transversal no continente europeu”. Ainda assim, tem sido feita uma aposta no conteúdo nacional, ao mesmo tempo que foram já realizadas “co-produções com actores de streaming de âmbito global”.
  • A plataforma RTP Play representa a entrada do serviço público nacional no formato VoD, embora a oferta consista em larga medida no conteúdo previamente transmitido na televisão.

Do ponto de vista exclusivamente editorial, o relatório tece algumas considerações mais gerais, lembrando que os SPM têm “a obrigação de providenciar aos cidadãos notícias imparciais e independentes” e “jornalismo de alta qualidade”. Nesse sentido, “os conteúdos de interesse público, como notícias e programação sobre assuntos actuais a nível doméstico e internacional”, são, no quadro da regulação europeia, valorizados como resposta “à desinformação, manipulação e interferência de agentes externos”.

Sobre o contexto noticioso nacional, evidenciam-se algumas estatísticas mais relevantes do relatório:

  • Quase seis em cada dez portugueses (59%) consideram o serviço público de informação relativamente ou muito importante.
  • Quando a pergunta é sobre a confiança nas “marcas de notícias” (incluindo televisão, imprensa escrita e rádio), a RTP surge em primeiro lugar, com 78,4% a dizer que confiam neste canal, quase empatada com a SIC (78,2%). A Antena 1, serviço público de rádio, ocupa o 11.º lugar (71,3%), abaixo de jornais e rádios privadas, como o Expresso (77,3%), o Público (75,4%) ou a TSF (72,6%).
  • Contudo, quando questionados sobre os canais de televisão utilizados para ver notícias no formato tradicional (não online), a RTP surge em quinto lugar (25,6%) e a RTP 3 em sétimo (17,1%), atrás da SIC Notícias (43,2%), SIC (41,4%), CNN Portugal (34,3%), TVI (32,2%) e CMTV (20,7%). Os dados são do Reuters Digital News Report de 2023.
  • Quanto ao consumo online, 11% da população diz ter consultado o site da RTP Notícias na semana anterior, ocupando o sexto lugar da tabela.

Sobre o serviço público nacional, os autores do relatório do OberCom recomendam ainda a leitura do livro branco do Serviço Público de Média, publicado em 2023, por iniciativa do Ministério da Cultura, em que são apresentadas 75 recomendações à RTP sobre transformação digital, informação e jornalismo, conteúdos e distribuição, entre outros temas.

(Créditos da fotografia: Glenn Carstens-Peters no Unsplash)