Um antigo jornalista que se fez médico e compara profissões

O dr. John Biemer (que estava ainda longe deste título académico), começou o seu trabalho no Chicago Tribune, em 2003, depois de ter sido repórter estagiário na agência Associated Press, o que lhe dava uma experiência e estatuto muito diferentes dos mais jovens, acabados de sair do curso. Mesmo assim, tinha pela frente dois anos intensos, a aprender e a prestar provas todos os dias.
Os que estavam nesta situação, no jornal, “trabalhavam muitas horas, fins-de-semana e feriados”:
“Nós éramos frequentemente os primeiros repórteres a chegar à redacção e os últimos a sair, ao fim do dia. Estávamos sempre de prevenção se acontecesse alguma coisa em grande. Dormíamos com os pagers [conhecidos entre nós como beeps] ao pé da cama - algo muito familiar a qualquer interno de medicina.” (...)
“Tínhamos de estar prontos a ir a qualquer lugar a qualquer hora. Éramos mandados para incêndios. Íamos fazer a cobertura de acidentes de trânsito com vítimas. Íamos a conferências de imprensa, comícios de campanhas políticas e julgamentos. Escrevíamos obituários.” (...)
E, à medida que mostravam competência para fazerem as notícias, iam recebendo tarefas de outro nível. Chamava-se a isto, no Chicago Tribune, graduated responsibility - “uma expressão que também é usada para os internos de medicina, à medida que adquirem experiência e revelam competência”. (...)
O autor do texto que citamos conta que estes repórteres em formação recebiam um salário mais baixo do que os permanentes. “Não havia garantia de ter lugar no jornal depois desses dois anos, mas a experiência era inestimável para concorrer a postos permanentes, mesmo que acabasse por ser noutro sítio.” (...)
“Dez anos mais tarde, depois de instalada a turbulência na indústria dos jornais, comecei o meu internato de medicina em Patologia. Que só chegou, evidentemente, após quatro anos esgotantes de Faculdade. Depois desses anos de estudo intenso, eu esperava que o período de internato fosse mais parecido com um emprego, mas na verdade é uma espécie de ‘limbo’ entre trabalhar e continuar a ser estudante.” (...)
“É um dado adquirido que se tem de trabalhar muitos feriados e fins-de-semana. Nos hospitais como nas redacções, o trabalho realmente nunca acaba. Em muitas especialidades médicas, eles chegam a chamar a um fim-de-semana em que um interno consegue dois dias seguidos a golden weekend, já que acontece tão raramente.” (...)
Já com 40 anos de idade, e com três filhos pequenos em casa, o dr. John Biemer descobriu “novos níveis de exaustão na sua preparação médica”, e sempre com a necessidade de continuar a estudar todos os dias, mesmo trabalhando muitas horas. “O estudo não está sequer incluído na equação laboral. É extra.” (...)
Na Primavera deste ano, finalmente a chegar ao termo do período de especialidade, voltou a visitar o local onde tinha feito o seu primeiro internato. O belo edifício histórico do Chicago Tribune foi vendido e transformado em condóminos. Os editores do jornal organizaram um encontro com os actuais e antigos repórteres e editores, para se despedirem da antiga redacção. “Apareceram 500 pessoas, e eu estou orgulhoso de ser uma delas.”
Foi uma situação doce-e-amarga, cheia de nostalgia e emoções. “Quanto voltei ao cubículo da redacção onde fiz serviço aos telefones, e escrevi os meus textos como estagiário, quinze anos antes, não consegui deixar de pensar que há sempre uma parte deste jornal que ficou dentro de mim.” (...)
Singular analogia: bem recentemente, também o Diário de Notícias trocou a sua histórica sede, na Avenida da Liberdade, por um condomínio nas Torres de Lisboa. Mas, ao contrário do Chicago Tribune, não convidou ninguém, dos muitos jornalistas vivos que passaram muitos anos naquela casa, para a despedida de um edifício projectado por Pardal Monteiro, que vai ser destinado a apartamentos de luxo. Triste sina de um jornal centenário, que perdeu a memória dos seus.
O artigo aqui citado, na íntegra, em Poynter.org