Spotlight: Óscar para o jornalismo de investigação
O jornalista de investigação tem alguma coisa de detective, e precisa da mesma coragem e incorruptibilidade desse tipo de profissional. Mas o seu trabalho perde-se pelo caminho se não tiver também, atrás de si, uma “cadeia de comando” motivada pela importância da missão, que confie nele e o mantenha na frente, com mantimentos e munições.
Os três jornalistas que participaram no referido debate na ante-estreia do Spotlight, numa sala de cinema do El Corte Inglés, eram José António Cerejo (do Público) e Pedro Coelho (da SIC), tendo como moderador Paulo Nuno Vicente, professor na Universidade Nova. Eles não precisaram de usar esta linguagem militar para dizer coisas semelhantes por outras palavras, mas José António Cerejo falou das qualidades fundamentais para o jornalismo de investigação como sendo “teimosia e carolice, porque não há uma compensação específica para este tipo de trabalho, e alguma resistência, pois nada ajuda a desenvolver este jornalismo, bem como alguma cumplicidade editorial, cada vez mais difícil de encontrar”.
Pedro Coelho apontou outros obstáculos que tolhem os próprios jornalistas, que podem tornar-se “pouco motivados, interessados e persistentes, até por se confrontarem com a Justiça e eventuais processos devido a algumas fontes; e o facto de, ao confrontar poderes instituídos, se correr o risco de cruzamento com empresas que proporcionam receitas à actividade comercial dos próprios órgãos de comunicação para os quais trabalham”.
José António Cerejo disse ainda: “Neste momento, é como se houvesse uma espécie de máquina de adormecimento para os jornalistas serem mansos.”
Antes, Paulo Nuno Vicente falara na “cooperativa de media, criada em 2013 e incubada na Universidade, que permitiu lançar, em Dezembro último, o Divergente, projecto digital financiado em parte pela bolsa do Journalism Fund da União Europeia e cuja primeira peça, resultado de trabalho de ano e meio, analisou o ‘comércio’ de jovens africanos e latino-americanos para o futebol europeu”.
No seu entender, este deve ser um dos passos da Universidade: “Arriscar soluções e não apenas traçar diagnósticos. Mas também é preciso que haja mais associações de jornalistas preocupados com a situação do jornalismo.”
O filme Spotlight descreve o trabalho realizado por uma equipa de cinco repórteres do jornal The Boston Globe (um deles um luso-descendente, Resendes) para quebrar as barreiras da ocultação da pedofilia em instituições da Igreja Católica naquela área. O que parecia inicialmente um caso circunscrito a meia dúzia de “maçãs podres”, como foram designados os padres abusadores, tomou proporções até perto de uma centena e revelou um “padrão” de conduta dos responsáveis eclesiásticos, que consistia em mudar os sacerdotes de uma paróquia para outra.
A reportagem do Boston Globe, premiada no ano seguinte com o Pullitzer, desencadeou uma onda de revelações e de testemunho voluntário por parte de milhares de vítimas que até aí silenciavam e tentavam esconder os abusos que tinham sofrido.
Lembrando outro filme famoso sobre jornalismo de investigação, All the President’s Men (Os Homens do Presidente), que conta o trabalho do Washington Post que levou à destituição do Presidente Nixon, é curioso que o nome de um jornalista apareça em ambos: Ben Bradlee.
A verdade é que são dois, pai e filho, e tiveram papéis semelhantes: o primeiro Ben Bradlee, falecido há pouco mais de um ano, era editor-executivo no Washington Post e defendeu a investigação dos repórteres que levaram o escândalo de Watergate até às suas últimas consequências; o segundo, Ben Bradlee Jr., ainda não fez 70 anos e era editor no Boston Globe, onde fez o mesmo, no princípio dos anos 2000, pela equipa de investigação conhecida como Spotlight.
A luz não foi apagada.
Mais informação no artigo do Diário Económico