Sobre a importância da conversa nos botecos como fonte de “exclusivo” para jornalistas
O autor chama a atenção para o conteúdo da “versão dos bêbados sobre as coisas que estão acontecendo naquele momento”, lembrando o ambiente nos tempos do Regime Militar (1964 a 1985), quando “a conversa se iniciava em tom baixo para evitar que caísse nos ouvidos dos agentes do regime; e o tom aumentava na medida em que as garrafas de cervejas e os martelinhos de cachaça vazios se empilhavam nas mesas”. (...)
Parece pouco académico propor a cultura ambiente do boteco brasileiro ( a nossa “tasca”) como terreno para a colheita de informação, mas Carlos Wagner assume e explica porquê:
“A conversa de boteco foi, e sempre será, um pilar importante na formação do repórter. Ali gente envolvida em várias profissões se dá o direito de falar sem temer as consequências, portanto há relatos muito próximos à verdade dos factos. Saber ouvir e avaliar os conteúdos das conversas é um belo exercício para a formação do jornalista. Nas palestras que faço sobre a formação do repórter nas redacções de jornais, rádios, sites e TVs e em salas de aula das faculdades de jornalismo, eu sempre reservo um tempo para alertar sobre a importância do que se fala nas mesas dos botecos.”
Inclusivamente, dá um exemplo da sua própria carreira:
Durante o surto de frebre aftosa que dizimava os rebanhos de gado em 2006, foi enviado para “a fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, região complicada para jornalista trabalhar”:
“Havia repórteres de várias partes do mundo. Em uma noite, em um boteco de Eldorado, eu ouvi um relato muito detalhado de um fiscal paraguaio, sobre como tinha começado o surto da aftosa, para um funcionário do Ministério da Agricultura (MA) do Brasil.”
“No dia seguinte, eu fiz alguns telefonemas para saber se o que tinha ouvido não era apenas conversa de bêbado. Não era. Daí foi só fazer a matéria. Dias depois, o funcionário do MA me perguntou como eu tinha conseguido aquelas informações. Eu respondi: — Fontes!” (...)
O texto de Carlos Wagner, na íntegra, no Observatório da Imprensa. Na imagem, Chico Buarque com o jornalista Tarso de Castro, num bar, em 1973 - foto do Instituto António Carlos Jobim