Salvar os meios de comunicação como um bem público, uma ideia em debate
O debate entre a necessidade democrática e a viabilidade económica da sobrevivência dos meios de comunicação social prossegue um pouco por todo o mundo, com maior acuidade nas sociedades que tomam a sério as implicações de cada escolha envolvida. Também em Portugal isto sucede, e entendemos, por isso, dar-lhe o devido espaço no site do Clube Português de Imprensa.
As afirmações que transcrevemos são citadas de uma entrevista com Julia Cagé (mulher do conhecido economista Thomas Piketty, autor de “O Capital no Séc. XXI”, publicado há pouco menos de dois anos).
Sendo-lhe perguntado se imagina um mundo sem meios de comunicação, Julia Cagé - ela própria economista, especializada precisamente em meios de comunicação - pensa que sempre haverá “plataformas dedicadas ao entretenimento, mas não necessariamente à informação; o que me assusta é acabar por viver num mundo em que não haja um mínimo de conteúdos sobre o que acontece no mundo, ou em que ninguém faça investigação sobre os nossos políticos”. (…/…)
Sobre as possíveis diferenças de viabilidade entre o digital e o impresso, o diálogo entre Álex Vicente, o entrevistador do El País, e a autora citada, prossegue nestes termos:
Álex Vicente - “Não tem havido uma relação inegável entre o suporte e o conteúdo? Muitos meios digitais apostaram em conteúdos geradores de 'clics' que, na maioria dos casos, não teriam lugar na sua versão impressa.”
Julia Cagé - “É verdade, mas trata-se de um erro do qual toda a gente começa a aperceber-se. Seguindo o modelo do The New York Times, a maioria dos grandes meios de comunicação tende para modelos de assinatura digital, ao dar-se conta de que é difícil traduzir em dinheiro os 'clics' recebidos. Houve uma proliferação de conteúdos ligeiros numa série de meios, que procuram a natureza ‘viral’ através de algoritmos, mas eu diria que se inscrevem mais na área do entretenimento do que da informação. Para além disso, têm uma economia distinta dos grandes meios: dispõem de menos jornalistas e fazem menos investigação, mesmo quando parte dos seus conteúdos são jornalísticos.”
Sobre o referido declínio do jornalismo em papel, Julia Cagé cita casos que demonstram tendências opostas:
“É inegável que o dinheiro está a voltar à imprensa tradicional. Primeiro, porque muitos títulos estão à venda, e por importâncias muito elevadas. Ser proprietário de um diário continua a ser sentido como uma forma de ter influência política. Para além disso, existe um efeito de contágio, do género moda e posicionamento. Se Xavier Niel não tivesse comprado o Le Monde em 2010, Patrick Drahi não teria adquirido o Libération em 2014, e menos ainda Bernard Arnault se teria interessado pelo Le Parisien no ano passado. Mas nem tudo isto é necessariamente uma boa notícia. Esses accionistas externos são necessários, porque custa muito dinheiro que um diário faça bem o seu trabalho, mas é preciso impedir que essas aquisições tenham custos para a independência dos meios.”
Sobre o novo modelo proposto, a meio caminho entre as fundações sem objectivo de lucro e as sociedades participadas, Julia Cagé afirma:
“É preciso inventar um novo sistema que permita repartir mais o poder. No modelo que proponho, ao invés do que sucede nas sociedades por accionistas, não haveria distribuição de dividendos e o capital estaria congelado. Por seu lado, o Estado concederia uma dedução fiscal aos doadores. O corpo de accionistas seria formado também por jornalistas e por leitores, que poderiam participar com pequenas importâncias. A propriedade seria renovada todos os anos, ao invés do que sucede nas fundações sem objectivo de lucro, em que frequentemente é uma única família que redige os estatutos e se perpetua no poder.”
Sobre a possível natureza “utópica” deste projecto, Julia Cagé conclui:
“É tudo uma questão de vontade política. Por exemplo, o Estado francês concede ajudas públicas aos meios de comunicação. Poderia ser proposto que fossem limitadas aos meios que adoptem este sistema. Parece um pouco extremo, mas poderia ser feito, se houvesse vontade para tal. Se queremos salvar os meios de comunicação, temos de encontrar soluções.”
Mais informação na entrevista do El País: