A propósito da solução governativa encontrada, afirmou que era evidente que “o Presidente da República teria que dar posse, como qualquer Presidente, porque era impossível não dar. Um Presidente que não desse posse teria de se demitir, porque não tinha nenhuma solução política à mão”. De facto, o nosso sistema -  como enfatizou – à semelhança da maior parte dos que têm esta mesma arquitectura, “não permitem uma solução de ingovernabilidade” quando tal não se observa no Parlamento. “Se o Parlamento não a tem, é outra coisa, mas quando o Parlamento a tem, nenhum Presidente da República, mais à esquerda ou mais à direita, a poderia impedir”.  


Passando à situação concreta do governo em exercício, Ricardo Costa fez uma crítica ao estado de espírito dominante, que considerou extremado:  

“Assim como houve muita gente que se enganou, em Outubro-Novembro, achando que aquela tensão ia levar a resultados em que tudo isto ia cair em eleições, agora passou-se quase a um efeito contrário, que é, o de repente, não se passar nada. (...) Não é verdade. O País é o mesmo, a situação financeira é a mesma - ou pior -  a situação económica é a mesma ou pior, a situação política é a mesma. Andamos muitas vezes nos extremos e passámos de uma quase guerra civil em Outubro-Novembro para uma grande felicidade institucional, como se tudo estivesse a correr lindamente e o País estivesse a caminho de uma felicidade extrema, com uma maioria política perfeitamente estável  … Ora
isso não é verdade. (...)  Acho que são dois extremos que nos enganam em termos de análise.”  


“O nosso grande problema foi, nos últimos anos de governação, (...) optar-se primeiro por uma direcção em que se entrou numa loucura de gastos, seguida depois, por um ajustamento brusco e muito radical, e finalmente por esta descompressão. Mas é sempre a mesma coisa. Ou seja como é que lidamos com uma dívida que tem um peso absolutamente inacreditável, e qual é a melhor maneira de sair daqui?”  


Para explicar o que mudou, Ricardo Costa passou então a falar da Europa:

“Há uma coisa que joga mais a favor do Governo Português  -  embora seja algo em que eu, se estivesse no Governo, ou se apoiasse o Governo, não confiaria  -  mas mudou. (...) O quadro europeu mudou um pouco… Não do ponto de vista financeiro, mas é como tudo na vida: temos alguns problemas para resolver, mas, de repente, surge um outro muito mais grave e esse passa à frente, passa a dominar o nosso dia a dia”.


O grande problema que sobreveio à Europa desdobra-se, conforme prosseguiu o orador, em três questões sérias:

 

“Há uma que é de muito curto prazo, a questão do Brexit, do referendo inglês, que é uma bomba atómica na União Europeia, porque ninguém sabe ao certo do que estamos a  falar. Quando passámos os últimos quatro anos a falar do que seria um Grexit, também ninguém sabia o que poderia acontecer, que efeito dominó poderia ter nos outros países, e no sistema financeiro. Agora estamos a falar da arquitectura política da União Europeia, que  - com todo o respeito pela arquitectura da moeda única -  eu acho muito mais grave do ponto de vista histórico, até  pelos efeitos em cadeia que pode ter. (…) Passou a ser a prioridade número um, a curto prazo.” 


“A segunda prioridade é infelizmente, de grande intensidade, e respeita ao terrorismo. Saíram vários artigos a recordar tudo o que foram os mais recentes episódios de terrorismo na Europa. E são muitos. Só que são tão isolados que, muitas vezes, não os valorizamos suficientemente por estarmos absorvidos apenas pelos maiores. Mas isto é um efeito enorme do ponto de vista político. (...)


“Depois a terceira coisa, mais prolongada no tempo, que está interligada é a questão dos refugiados, que tem uma dimensão enorme. É um caso humanitário gravíssimo, de uma dimensão que ninguém sabe como suster, nem como resolver (...) Só se pode travar na origem, mas estamos a falar de países totalmente desagregados, como a Síria, o Iraque, e  até o Afeganistão”. 


“A Líbia, neste momento, tem no mínimo 300 km de costa entregues ao Estado Islâmico, que fica a 600 km, em linha recta, do sul de Itália.

Como resolver o problema na origem?  Aí a União Europeia tem culpa, designadamente, a França e a Inglaterra. O Presidente Obama deu uma entrevista recente onde dizia precisamente que se avançou para uma solução imediata, implicando a de queda de Kadhafi, mas depois não fizeram mais nada e aquilo ficou desagregado”.  


Nestas circunstâncias, afirmou Ricardo Costa, actualmente, nas reuniões do Conselho Europeu  “ninguém quer saber do euro, ou se em Portugal se está a gastar mais um por cento, ou meio por cento. Nem querem saber…”  


E sublinhou:

“Não estou a dizer com isto que a tolerância seja maior. Ninguém do Eurogrupo vai começar a dizer  -  gastem à vontade!  -  ninguém vai dizer isso. As posições vão ser muito duras, ninguém vai facilitar a vida a ninguém, mas há uma coisa que é ainda mais óbvia: ninguém quer um resgate. A União Europeia não quer ter que resgatar coisa nenhuma. Ao contrário do que aconteceu em 2011, quando havia uma vontade política de resgatar e de não facilitar outro tipo de soluções, (...) agora, em 2015/2016, não há ninguém na União Europeia -   nem os chamados falcões do Euro -  que queiram o resgate de um Estado-membro, mesmo da dimensão do português”.


Para Ricardo Costa, “essa tolerância existe e, se não facilita a vida, pelo menos diminui a pressão sobre o Governo português, qualquer que este fosse, e permite alguma margem de manobra diplomática, que não existia há um ano atrás. (...) A verdade é que, neste quadro, Portugal interessa pouco… e como interessa pouco não vão estar a perder muito tempo connosco .”  


Na parte final da sua exposição, Ricardo Costa voltou à política portuguesa, defendendo que  “o PSD demorou tempo a perceber isto. O CDS percebeu muito depressa, e foi essa a razão que levou à saída de Paulo Portas, ao intuir que o ciclo podia ser mais longo do que a maior parte das pessoas estava a apostar em Outubro-Novembro ( …) Paulo Portas percebeu que o quadro político mudou e que podia exigir uma maioria absoluta para se regressar ao governo. Essa, sim, é uma questão estrutural, que se alterou nestes últimos meses. O PSD e o CDS precisam de uma maioria absoluta para formarem Governo, porque só uma vitória não chega.”  

 

E acentuou :

“Acho que o PS arriscou muito no que fez, e que pode vir a pagar caro ( …) Veremos, a médio ou longo prazo, se foi ou não foi um erro histórico.”  


Ricardo Costa alongou-se nesta análise, referindo-se, já perto do fim, “à geringonça  – a expressão de Vasco Pulido Valente, depois popularizada por Paulo Portas –  que é uma boa expressão, mas que tem um erro -  é que as geringonças andam… O nome foi bom, mas não foi perfeito, porque uma geringonça pode ir longe, pode ir torta, pode ir a abanar, pode fazer barulho, mas anda… e essa é a questão, uma geringonça anda, e tem andado”.  


“Continuo a achar muito difícil que dure muito, mas quando me perguntam: como é que cai?  - eu não sei. As coligações (e isto não é uma coligação) tendem a cair por dentro, nunca por fora. Todos os governos de coligação caem por dentro. O governo anterior esteve literalmente para cair por dentro. O que faz cair as coligações são as tensões internas.”

 

Na opinião de Ricardo Costa, essa crise interna pode acontecer, por exemplo, na necessidade de um Orçamento rectificativo.  


A concluir, afirmou:

“Ora, para mim o grande erro estratégico do PS foi fazer o acordo que fez com o Bloco de Esquerda. No fundo acabou com duas coisas: acabou com o voto útil  -  e o PS e o PSD precisavam muito do voto útil -  porque, historicamente, e na hora da verdade, o eleitorado que ficava na ala esquerda do PS e às vezes votava  PS (dizendo vou votar PS se não ganha o PSD)…  Agora, porque é que esse eleitorado não há-de votar no Bloco de Esquerda?”(...)  


“E é esta a questão. O sistema não mudou nada, o equilíbrio de poderes é o mesmo, com pequenas nuances. O que mudou não foi o PS virar à esquerda  -  embora tenha virado -  mas foi o PS abdicar de um eleitorado mais à esquerda de que sempre precisou para ganhar eleições e ficar em posição de governar.”